A diversidade de entendimentos dos ministros do Supremo Tribunal Federal sobre questões envolvendo o novo Código Florestal é tamanha que, nesta quinta-feira (22/2), quando o julgamento foi novamente suspenso, a presidente da corte se comprometeu a sistematizar todas as posições apresentadas até agora.
Em linhas gerais, a corte avalia se o princípio da proibição do retrocesso ambiental pode se sobrepor à vontade do legislador e do administrador público. Além disso, os ministros parecem tentar chegar a um equilíbrio entre desenvolvimento econômico e sustentabilidade ambiental.
Ao apontar a dificuldade em ter uma posição majoritária no tribunal, o ministro Dias Toffoli afirmou ser uma oportunidade para os ministros conversarem sobre a dinâmica dos julgamentos. “Precisamos pensar em metodologia de julgamento. São muitos dispositivos e, na grande maioria, estamos de acordo. Mas temos esse método de julgamento de votos individuais. Precisamos refletir se essa metodologia contempla o número de demandas que temos no mundo contemporâneo”, sugeriu.
Nesta quinta, votaram os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Rosa Weber, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. Já haviam votado o relator, Luiz Fux, Marco Aurélio e Cármen Lúcia.
O julgamento será retomado na próxima quarta-feira (28/2), com a apresentação do voto do ministro Celso de Mello.
Quatro ADIs
Das quatro ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas sobre o tema no STF, três foram apresentadas pela Procuradoria-Geral da República e uma pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol). Todas criticam uma série de dispositivos, especialmente quanto à redução da reserva legal. Os processos questionam a validade de 58 artigos de um total de 84 que compõem o Código Florestal.
Já a Ação Declaratória de Constitucionalidade 42 foi ajuizada pelo Partido Progressista (PP) e, ao contrário das ADIs sobre o assunto, defende a constitucionalidade da lei por considerar que o novo código não agride o ambiente, mas tem o objetivo de preservá-lo. Todas são relatadas pelo ministro Luiz Fux.
Respeito ao legislador
Alexandre de Moraes foi o primeiro ministro a apresentar voto nesta sessão. Ele acompanhou o relator quando este entendeu que os dispositivos eram constitucionais e enfatizou a amplitude do debate realizado no Congresso Nacional acerca do tema. No Parlamento, o Código alcançou mais de 400 votos na Câmara dos Deputados e mais de 50 no Senado Federal, lembrou o ministro. “Temos de respeitar as opções legislativas feitas pelo Congresso Nacional desde que apresentem compatibilidade, equilíbrio, mantenham o núcleo essencial desse direito fundamental que é o meio ambiente”, argumentou.
Ele afirmou ainda, em referência aos colegas que o antecederam, que não considera possível analisar a nova norma apenas tendo como base a anterior. “Não se pode analisar de forma estanque a ideia da ‘vedação ao retrocesso'”, considerou. De acordo com ele, é preciso ter em mente o cenário atual da agricultura, dos métodos de produção e recomposição, da tecnologia. Ele afastou, por exemplo, a inconstitucionalidade da proteção aos olhos d’água intermitentes, por considerar que geraria insegurança jurídica para o proprietário das áreas.
Dia Toffoli também lembrou o processo legislativo pelo qual passou o novo Código Florestal. “Preciso registrar, além da beleza deste debate, da profundidade dos votos proferidos, da manifestação dos que vieram à tribuna, o debate que o Congresso fez”, disse. No Parlamento, enfatizou o ministro, as votações da matéria foram expressivas, nas duas Casas. “Se, pela Teoria do Direito Constitucional, temos que, na dúvida da constitucionalidade, como julgadores, privilegiar a constitucionalidade, neste caso mais ainda. Não podemos desconhecer a realidade do debate que chegou a dado consenso pelos representantes democráticos do povo brasileiro.”
O entendimento dele divergiu do relator, ministro Luiz Fux, apenas no ponto que é um dos mais polêmicos deste debate: a anistia a produtores rurais. O trecho, que cria o Programa de Regularização Ambiental (PRA), define que o proprietário que aderir a ele não poderá ser autuado por infrações cometidas até 22 de julho de 2008. Fux é contra a medida.
Para Toffoli, o PRA faz com que o cidadão se apresente ao Estado, assuma as próprias infrações e faça um levantamento da situação geodemográfica da propriedade, fornecendo informações relevantes à administração pública. Além disso, “não podemos, ao invés de pacificar, fazer com que os conflitos se acirrem mais ainda, com que os cidadãos não confiem nas leis de seu país”.
A ministra Rosa Weber acompanhou o posicionamento de Cármen Lúcia quanto à anistia. A presidente da corte considerou o dispositivo constitucional, sem prejuízo ao meio ambiente, uma vez que o benefício é condicionado à adesão do infrator ao PRA. O programa estaria estimulando, assim, a recuperação de áreas degradadas e não produz retrocesso.
Na sequência, o ministro Edson Fachin apresentou seu voto e fez referência apenas aos pontos divergentes em relação ao voto do relator, ministro Luiz Fux. Para ele é inconstitucional a autorização para recomposição de reserva legal com até 50% de espécies exóticas. “Se à lei é dado alterar ou suprimir espaços territoriais especialmente protegidos, entendo que fica vedada a todos os Poderes qualquer utilização dessas mesmas áreas que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem a sua proteção”, ressaltou.
Patrimônio mundial
Ricardo Lewandowski e Luís Roberto Barroso fizeram falas semelhantes em defesa da Amazônia legal. “Nestes anos de desmatamento, o PIB da região não aumentou. Ou seja, estamos destruindo a floresta sem melhorar a vida das pessoas. Temos de pensar em formas de tornar social e economicamente mais valioso preservá-la do que derrubá-la”, disse Barroso. Para ele, o ideal é uma política de desmatamento zero e recomposição total, por ser aquele bioma um dos mais ricos do mundo.
Lewandowski considera que conflitos entre o direito individual e o coletivo devem ser resolvidos em favor deste. Segundo ele, prevenir o dano ao meio ambiente é o melhor método de proteção ambiental.
Barroso afirmou ainda que lei não poderia desconsiderar as infrações anteriores a 2008. “A significativa atenuação do dever de reparação ao meio ambiente como definição de regime jurídico mais favorável a quem desmatou antes de 2008 viola o princípio da proporcionalidade.”
Trator no legislador
O ministro Gilmar Mendes fez contraponto e ironizou: “Vamos passar o trator na decisão legislativa para deixar o meio ambiente feliz?”
Na visão dele, caso os textos sejam considerados inconstitucionais ao final do julgamento, várias áreas ficam sem regulação, haverá uma chuva de autuações do Ministério Público e insegurança jurídica. Para Gilmar, faltou à corte pensar nas consequências da decisão. “Já antevejo o que vai acontecer na vida prática: um completo descumprimento”, disse.
O Supremo, afirmou, corre o risco passar por cima da análise do Congresso Nacional em nome da proibição do retrocesso. Os parâmetros do código anterior, de 1965, diz Gilmar Mendes, já não eram cumpridos e, por isso, criaram um código novo. Mas agora, querem que o novo seja anulado “para que as ONGs fiquem felizes”, sugeriu. “Não tenho dúvidas que muitas delas [ONGs] são financiadas por empresas internacionais, que só defendem o meio ambiente aqui, no Brasil”, criticou o ministro.
ADC 42
ADIs 4901, 4902, 4903 e 4937
Por Ana Pompeu
Fonte: Conjur
Postado dia 23/02/2018
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