Instituições financeiras e responsabilidade ambiental

Por Mário S. Vasconcelos

Leo Caldas/ValorO país perdeu, neste mês, com o veto ao artigo 35 da Medida Provisória 752, a oportunidade de eliminar uma incerteza jurídica no financiamento a atividades de parceria em infraestrutura e de estimular a aplicação das regras de proteção ao meio ambiente nesses empreendimentos.

É inconsistente e equivocada a acusação feita por algumas organizações não governamentais de que o artigo 35 da Medida Provisória 752 violaria a Constituição e “isentaria bancos de punição por crimes ambientais”. Ao contrário, o artigo não prejudicaria a adoção e fiscalização de práticas ambientalmente responsáveis e fortaleceria o interesse dos bancos em projetos baseados nas melhores práticas de sustentabilidade, ao delimitar claramente as responsabilidades no caso de danos ambientais no âmbito dos financiamentos a projetos de parceria.

O setor bancário reconhece seu dever de diligência e cobra as licenças exigíveis para atestar a regularidade ambiental dos projetos potencialmente causadores de impactos. A Febraban apoia o preceito legal pelo qual cabe ao financiador demonstrar que agiu prudentemente e não contribuiu, por ação ou omissão, para a degradação ambiental.

Ao mesmo tempo, é dever e responsabilidade do Estado avaliar e emitir licenças ambientais, solicitar estudos de impacto e ajustes nos projetos, além de fiscalizar sua execução e punir descumprimentos.

Não procede a interpretação de que o artigo teria o objetivo de “isentar os bancos de qualquer punição” em casos de ações ilegais de desmatamento apoiadas em financiamentos bancários. Viola a lógica afirmar que o artigo contrariaria as regras em vigor e dificultaria a atuação da fiscalização ambiental na cadeia de custódia dos produtos de origem ilegal em decorrência de infrações ambientais.

As instituições financeiras, no exercício de suas funções, atuam nas mais diversas cadeias de valor da economia, mas não detêm o controle das atividades objeto do financiamento, nem as gerenciam. Incertezas na delimitação legal para o conceito de poluidor indireto geram insegurança jurídica. Se um banco financiar uma atividade e dela decorrer um dano ambiental, mesmo em função de caso fortuito ou força maior, o financiador poderá ser chamado a repará-lo, ainda que tenha agido de forma diligente ao conceder o crédito e observado a legislação.

O combate ao desmatamento ilegal no Brasil é dever de todos e tem o apoio ativo do setor financeiro

A situação atual na legislação equivale a deixar brechas para que um banco seja responsabilizado, por exemplo, pelo descumprimento de uma condicionante da licença ambiental assumida pelo empreendedor junto ao órgão fiscalizador. Esse cenário não permite às instituições financeiras mensurarem o risco da operação, elemento essencial em qualquer atividade de intermediação, e induz as instituições a serem mais conservadoras e a reduzir a oferta de crédito. Além de limitar os necessários investimentos no crescimento do país, a dificuldade na precificação do risco propicia o aumento do spread bancário, portanto, dos custos para os tomadores do crédito.

Não é razoável dizer que propostas para delimitar a responsabilidade dos bancos como a do artigo 35, vetado no projeto de lei de conversão da MP 752, retiram garantias ou mecanismos para que as regras ambientais sejam internalizadas pelas instituições financeiras.

• A resolução 4.327 do Banco Central, de 2014, já fixa diretrizes para uma Política de Responsabilidade Socioambiental pelas quais, observando-se princípios de relevância e proporcionalidade, os bancos têm de seguir critérios para gerenciar o risco socioambiental em operações com maior potencial de causar danos.
• Reforçando o comprometimento do setor com o tema, a Febraban, por meio de seu sistema de autorregulação bancária, instituiu um normativo (SARB 14/2014) formalizando procedimentos fundamentais para as práticas socioambientais.
• Muitos outros compromissos foram assumidos voluntariamente pelo setor, como é o caso dos Princípios do Equador, do Protocolo Verde com o Ministério do Meio Ambiente e dos padrões da International Finance Corporation (IFC) referentes à gestão de riscos socioambientais.
• Além de não fugir à responsabilidade em temas socioambientais, a Febraban e suas associadas têm dado atenção especial ao tema do desmatamento: no ano passado, em parceria com o Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas (FGV), a instituição realizou um estudo, que continua em 2017 e conta agora com a participação de outras organizações com atuação na área ambiental, para identificar os riscos relacionados a desmatamento para empresas de cadeias agropecuárias e recomendar elementos para sua gestão, nas operações realizadas pelas instituições financeiras.

Combater o desmatamento ilegal no Brasil deve ser compromisso de todos e tem o apoio ativo do setor financeiro. O texto proposto na MP apenas estabelecia a necessidade de comprovação do nexo de causalidade entre a conduta do financiador a ser qualificado como poluidor indireto e o dano efetivamente causado, permitindo ao financiador demonstrar que, se agiu prudentemente no cumprimento do dever legal, não haveria razão para ser chamado a reparar o dano.

A proposta apoiada pela Febraban incentivava as instituições financeiras a adotarem diligências ambientais na concessão do crédito, garantindo a segurança jurídica da operação ao mesmo tempo em que estimularia os tomadores a adotar as melhores práticas ambientais para ter acesso ao crédito.

É lamentável que a emenda que deu origem ao artigo 35 tenha sido considerada “matéria estranha” à MP 752, e acusada de ser um “jabuti”, no jargão da política nacional, alegações que não procedem. Ela teve seu escopo limitado ao objeto da MP 752, que estabeleceu diretrizes gerais para os contratos de parceria nos setores rodoviário, ferroviário e aeroportuário da administração pública qualificados nos Programas de Parcerias em Investimentos (PPI). O texto transformado em lei sancionada pela Presidência aborda os temas da responsabilidade ambiental e de financiamentos, ao tratar da obtenção de empréstimos para a execução dos projetos (artigo 12), e indicar, inclusive, que diretrizes ambientais devem ser observadas nos seus estudos técnicos (artigo 17, parágrafo 1º inciso V).

Perdemos uma oportunidade. Perdeu a sociedade, perdeu o meio ambiente, perderam os bancos, que mantêm o compromisso com o desenvolvimento sustentável do país.

Mário Sérgio Vasconcelos é diretor de Relações Institucionais da Febraban.

Fonte: Valor Econômico

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