A inserção da energia renovável na matriz energética mundial é um caminho inédito, sem volta e absolutamente necessário para que o mundo possa continuar a produzir itens de que a sociedade necessita.
Dadas as suas condições privilegiadas, como a vasta riqueza da biodiversidade, ampla variedade e disponibilidade de recursos naturais, potencial hidrelétrico, enorme área e produtividade da agricultura e excelente clima, o Brasil certamente terá um papel de destaque nesse cenário mundial, que é muito promissor.
No entanto, para que todo esse potencial possa ser convertido em reais vantagens comparativas e competitivas para o país, ainda há que se percorrer um enorme caminho. Apesar de a energia eólica já ser produzida a custos competitivos, ainda existem dificuldades para que esses volumes sejam fornecidos ao mercado consumidor. Ademais, a produção de energia de muitas das possíveis fontes renováveis carece de tecnologias e processos de obtenção em larga escala, para que permitam a entrega de um produto a custos mais competitivos.
A curva de aprendizado que teremos de percorrer até que tenhamos uma energia renovável realmente atrativa ainda é imprevisível, mas com tendência de aceleração pelas próprias forças naturais de mercado.
Naturalmente, como alguns processos de produção dependem de forte presença de uma variável pouco controlada pelo homem, como condições climáticas, esse tipo de energia tende a ser muito mais variável do que a energia produzida por outras fontes. O fator imprevisibilidade, assim, tem um peso maior em razão da escala ainda não adequada de produção. Nesse aspecto, com a inserção do viés de custos altos, característica atual da fonte de energia renovável, o consumidor, naturalmente, por enquanto, não terá interesse em sua utilização. Portanto, as curvas de oferta e demanda tradicionais se adequarão em uma escala de tempo maior do que aquelas tradicionais.
Apesar da ressalva custo, o Brasil e o mundo precisam trabalhar na direção da aceleração da inserção da energia renovável na matriz energética. O Acordo de Paris, que foi firmado na Conferência das Partes sobre Mudança Climática de 2015 (CoP-21) e entrou em vigor no início de novembro de 2016, na véspera da CoP-22, representa um grande avanço nos esforços para a implementação de ações mais concretas e efetivas para redução das emissões de gases de efeito estufa, que contarão, no futuro próximo, com uma parcela significativa de energias mais limpas do que as tradicionais.
Tramitam, hoje, no Congresso Nacional, algumas matérias que tratam da obrigatoriedade de contratação pelos consumidores livres de energia elétrica originada de fontes renováveis. Um desses projetos prevê que com a inserção obrigatória de 20% de energia renovável na matriz energética brasileira, haverá uma maior diversificação do parque gerador nacional e, sendo assim, o país terá mais segurança de suprimento, pela menor dependência das hidrelétricas, que são constantemente afetadas pelas imprevisibilidades da hidrologia. Os defensores das matérias acreditam também que, assim, haverá redução de tarifas e ganhos ambientais.
Infelizmente, apesar da boa intenção, não serão apenas essas as consequências dessas medidas, caso elas venham a ser aprovadas. O caminho a ser seguido deve ser o de que se estimule um consumo no país de energia mais limpa ou incentivar os geradores a elevarem suas produções aumentando a escala. Os projetos em análise no Congresso Nacional vão em direção contrária, punindo a indústria e os demais consumidores com tarifas mais elevadas de energia, uma vez que os 20% obrigatórios poderão causar uma elevação nas atuais tarifas da ordem de 5%.
A tarifa de energia elétrica paga pela indústria brasileira, mesmo com a abundância de água, é muito elevada, o que confere ao país a 7ª posição no mundo em termos de tarifas mais altas, segundo estudo recente da CNI. Sendo assim, impor ao consumidor mais um ônus, não será nada saudável. Portanto, deveríamos caminhar na direção de se premiar a inserção da energia renovável na matriz energética, mas não pelo caminho do encarecimento das tarifas ou de encargos.
Mas como estimular essa energia alternativa no cenário atual? Esse, certamente, é o maior desafio, pois sabemos que as fontes renováveis exigem apoio para sua expansão e consolidação, bem como sobrevivência, mas não podemos deixar a indústria ser penalizada por isso, arcando com valores exorbitantes de encargos ou subsídios que, no final, acabam por onerar todos os consumidores, não só de energia elétrica, mas de todos os produtos e bens necessários para a vida. Além disso, essas punições também podem induzir a ineficiências na operação.
Nesse contexto, numa iniciativa de minimizar o grande impacto tarifário, é de se pensar na criação de um “prêmio” para os consumidores industriais que venham a introduzir a fonte de energia alternativa nos seus processos produtivos, tornando eficiente o seu uso. Também é possível pensar em projetos integrados de produção de energias renováveis para atendimento a complexos industriais, condomínios, shoppings, entre outros, de forma a permitir a expansão planejada e racional das fontes alternativas, além do estímulo à autoprodução e à cogeração de energia, especialmente quando os processos industriais permitirem o aproveitamento, por exemplo, de vapor de forma a otimizar e complementar as atividades da unidade de produção, com ganhos de eficiência energética.
Há caminhos, há meios, existem muitas ideias. Todavia, temos que evitar a todo o custo o caminho mais doloroso e que tem sido o mais recorrente no país atualmente, que é o da penalização do consumidor com encargos que incidem sobre a energia e que nada têm a ver com a atividade industrial propriamente dita. Basta de custos, basta de aumento de tarifas.
Esses caminhos alternativos seriam, sim, uma forma de acelerar a inserção da fonte renovável na matriz energética, de forma justa e correta para toda a sociedade.
Queremos a mudança, a diversificação da matriz energética, uma energia mais nobre, mais limpa, mas temos que aproveitar a oportunidade para fazer essa mudança com propostas que não onerem a indústria e que não retirem ainda mais a competitividade do setor industrial, que, há anos, vem sendo penalizado por “políticas tortas”, que estimulam o consumo sem a contrapartida de uma produção mais leve de impostos e de encargos e mais equânime àquela que se pratica em outras partes do mundo.
Fátima Giovanna Coviello Ferreira é economista com especialização em gestão empresarial e tecnológica na indústria química e diretora de Economia e Estatística da Abiquim.
Fonte: Valor Econômico
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