Em nossa legislação existe previsão de prorrogação da validade da licença ambiental até que haja manifestação definitiva do órgão ambiental competente, desde que o pedido de renovação seja efetuado com antecedência mínima de 120 dias da expiração de seu prazo de validade. Dispõe a LC 140/11, artigo 14, parágrafo 4º:
Art. 14. Os órgãos licenciadores devem observar os prazos estabelecidos para tramitação dos processos de licenciamento.
[…]
§ 4º A renovação de licenças ambientais deve ser requerida com antecedência mínima de 120 (cento e vinte) dias da expiração de seu prazo de validade, fixado na respectiva licença, ficando este automaticamente prorrogado até a manifestação definitiva do órgão ambiental competente.
Nesse cenário é relevante saber quais são as implicações de um pedido de renovação de licença ambiental formulado em menos de 120 dias da sua expiração. Isso porque, às vezes, o detentor de uma licença não requer a sua renovação com a antecedência na qual a legislação expressamente garante a sua prorrogação até a manifestação definitiva do órgão ambiental competente.
A regra da LC 140, ao abranger todas as licenças ambientais, revogou tacitamente a previsão contida na Resolução Conama 237/97 (artigo 18, parágrafo 4º), pois, diferentemente desta, não se limitou à licença de operação.
Requerida a renovação da licença, com mais de 120 dias de antecedência, ela permanecerá válida, incluindo as suas condicionantes que possam ser de cumprimento continuado, até que o órgão licenciador se manifeste definitivamente sobre o pedido.
A prorrogação, por si só, pressupõe extensão de vigência, ainda existente, para além de seu termo final original[1], mas nesse caso ela é qualificada, uma vez que se faz necessário solicitar a renovação da licença ambiental antes de 120 dias de seu termo ad quem.
A teleologia da norma que permite a prorrogação automática parece instintiva, pois os empreendimentos, via de regra, são concebidos para perdurarem no tempo, e a continuidade do licenciamento pela renovação da licença serve apenas para ajustes eventualmente necessários, decorrentes de regras novas ou impactos ambientais. A legislação gera essa garantia ao administrado, presumindo, desse modo, a legalidade do empreendimento ou atividade, ao considerar a existência de um licenciamento prévio e a continuidade das ações (de instalação, de operação etc.).
Se tal prazo for cumprido, a licença vigerá até que o órgão se manifeste definitivamente. Se o órgão ambiental aprovar a prorrogação, o prazo até então passado é computado no prazo máximo da licença renovada. Se houver negativa da renovação, a vigência da licença ambiental se esgota nesse ato, considerando que doravante não existirá mais licença ambiental amparando a atividade ou empreendimento.
Da data do pedido de renovação até a negativa da licença, não se pode considerar que a atividade ou empreendimento são irregulares, não cabendo, dessa forma, qualquer sanção por ter sido negada a prorrogação da licença, ressalvado o descumprimento dos termos (condicionantes) da licença até então vigente.
No que diz respeito às sanções, importante consignar que o embargo do empreendimento deve ser evitado ainda que o pedido tenha sido efetuado após o vencimento da licença. Em ordenamento jurídico que admite o licenciamento corretivo, salvo algum perigo claramente demonstrável e que não se resuma à ausência da licença, não deve haver embargo do empreendimento ou atividade. No entanto, isso não significa o impedimento da aplicação de multa (sanção pecuniária), mas há necessidade de dosá-la para que se diferencie a situação do empreendimento ou atividade que nunca tiveram licença daqueles que a requereram logo após o vencimento da anterior.
A prorrogação automática é uma garantia/regra protetiva do administrado e não do órgão ambiental. Desse modo, o prazo estabelecido não deve ser entendido como prazo peremptório para solicitação da renovação da licença ambiental. Além disso, é importante observar que a prorrogação automática não implica em prazo de 120 dias para o órgão ambiental decidir sobre a renovação, existindo para isso outros dispositivos normativos. Compreender isso é fundamental para não usar esse prazo em prejuízo do administrado, negando, desse modo, leitura sistemática do ordenamento jurídico.
Se não houver regulamentação, o lapso temporal necessário para análise do pedido de renovação será o previsto em legislação especial ou naqueles estabelecidos na Lei 9.784/99, a partir do qual será possível verificação referente à eventual a mora administrativa. O prazo máximo previsto no artigo 14 da Resolução Conama 237/97 é para análise da concessão da licença, não de sua renovação, que já pressupõe monitoramento do órgão ambiental e, por essa razão, menor complexidade em relação à primeira análise.
Se outro prazo não for previsto em legislação específica, a mora administrativa, considerada no âmbito da Administração Pública Federal, caracteriza-se no momento em que a Administração não decide dentro de trinta dias, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada (Lei 9.784/99, artigo 49).
Ainda que não haja solicitação com a antecedência de 120 dias do término da licença, se ela for efetuada (i) antes do vencimento e (ii) com prazo hábil para caracterizar a mora administrativa ainda dentro do prazo de validade da licença a ser renovada, não se deve considerar a licença como vencida.
A mora administrativa atua como uma segunda barreira de proteção do administrado, sendo razoável que se aplique a intenção legislativa do artigo 14, parágrafo 4º, da LC 140/11 a esses casos. Em outras palavras, a regra do artigo 14, parágrafo 4º, da LC 140 não esgota a possibilidade de se manter uma licença vigendo diante da inércia da administração em apreciá-la.
No entanto, se a solicitação for efetuada durante a vigência da licença ambiental, mas em prazo no qual não haveria a caracterização da mora administrativa durante essa vigência original, o risco de eventual decisão negativa recai sobre o administrado, ou seja, se a licença vier a ser negada ele pode ser autuado desde seu vencimento (ex tunc). É fundamental destacar que, mesmo nesses casos, somente haverá sanção administrativa por qualquer ente do Sisnama após a negativa do ente licenciador, nunca antes, em um juízo de premonição sobre a decisão a ser emitida pelo órgão licenciador.
Os tribunais regionais federais da 1ª e da 5ª regiões já entenderam que não cabe a autuação do empreendedor, se ele requereu a renovação da licença ambiental quando ela ainda vigia, ainda que com menos de 120 dias para seu término[2]. O STJ, embora aparentemente apoie o mérito dessas decisões, tem se manifestado pelo não conhecimento dos recursos especiais por implicar em revolvimento de questões fáticas[3].
O Estado, tendo responsabilidade sobre a decisão acerca da renovação requerida, não pode se escudar na garantia dada ao administrado com o objetivo de ignorar os seus demais deveres previstos no ordenamento jurídico[4]. Ademais, considerado todo o Sisnama, o Estado deve se comportar de forma coerente, sendo vedado ao órgão ambiental ignorar que existe pendência de apreciação da renovação da licença ambiental em outro.
Em suma, ocorre prorrogação da licença ambiental até a manifestação definitiva do órgão ambiental competente ainda que o pedido de renovação tenha sido efetuado com menos de 120 dias do término de sua validade e antes do prazo para a caracterização da mora administrativa dentro do prazo de validade da licença. Se for efetuado antes do vencimento da licença ambiental, e não antes do prazo de eventual mora administrativa, corre por conta e risco do requerente eventual negativa do pedido, que tem aqui efeito ex tunc.
[1] “[…] Não permite o disposto no artigo 37, III, da Constituição que, escoado o prazo de dois anos de validade do concurso público, sem que tenha ele sido prorrogado, possa a Administração instituir novo prazo de validade por dois anos, pois prorrogar é estender prazo ainda existente para além de seu termo final” (STF, 1ª T., m.v., RE 201.634/BA, rel. p/ ac. Min. Moreira Alves, j. em 15/02/2000, DJ 17/05/2002, p. 66 – destacou-se). No mesmo sentido a ON AGU 03/2009, uma vez que só admite prorrogação contratual se não há extrapolação do atual prazo de vigência, bem como solução de continuidade nos aditivos precedentes, hipóteses que configuram a extinção do ajuste, impedindo a sua prorrogação.
[2] TRF da 1ª Região, 6ª T., v.u., EDcl REENEC 0004027-94.2011.4.01.4100, rel. des. Kassio Nunes Marques, j. em 08/09/2014, e-DJF1 18/09/2014; TRF da 5ª Região, v.u., 2ª T., APELREEX 2009.81.00.012181-1/CE (Ac. 14638), rel. des. Fed. Ivan Lira de Carvalho, j. em 09/08/2011, DJE 18/08/11, p. 228; TRF da 1ª Região, 6ª T., v.u., REENEC 0004027-94.2011.4.01.4100, rel. des. Daniel Paes Ribeiro, j. em 14/11/2011, e-DJF1 29/11/2011; TRF da 5ª Região, 2ª T., AG 2009.05.00.097556-9/CE (Ac. 101727), Des. Fed. Francisco Barros Dias, j. em 20/04/2010, DJE 29/04/2010, p. 191.
[3] STJ, 2ª T., AR no AREsp 686.366/PE, rel. Min. Humberto Martins, j. em 06/08/2015, DJe 17/08/2015; STJ, 1ª T., AR no AREsp 749.434/RO, rel. Min. Regina Helena Costa, j. em 26/04/2016, DJe 16/05/2016.
[4] Seria algo como dizer que não cabe reconhecer a ilegalidade do ato estatal em ação anulatória porque seu manejo ocorreu depois de 120 (cento e vinte) dias, prazo decadencial do mandado de segurança.
Por Eduardo Fortunato Bim
Fonte: Consultor Jurídico
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