ANA pode regular saneamento para destravar expansão do setor

Na esteira dos esforços para destravar as privatizações pelo país e aumentar os investimentos em infraestrutura, o governo interino de Michel Temer traça um plano ambicioso para ampliar a presença da iniciativa privada no setor de saneamento básico, num contexto em que prefeituras, Estados e a própria União não têm caixa para investir significativamente no tratamento de água e esgoto.

De acordo com informações da secretaria-executiva do Programa de Parceria de Investimento (PPI), o governo federal vai atuar com ênfase em três frentes para agilizar concessões e parcerias público-privadas (PPPs) nos serviços sanitários: dar à Agência Nacional de Águas (ANA) poder regulatório sobre o setor de saneamento básico; firmar convênios com Estados e municípios para modelagem de projetos de concessão e PPPs; e facilitar o lançamento de PPPs em pequenas cidades ou microrregiões onde há pouco ou nenhum atendimento sanitário, ficando com o parceiro privado a responsabilidade de construir a rede e explorar o serviço.

Pleito das empresas e entidades do setor, a ideia de incluir o saneamento básico nas responsabilidades regulatórias da ANA é, a princípio, a mudança mais significativa para dinamizar as concessões e PPPs. Na visão de empresários e especialistas ouvidos peloValor, a medida pode contribuir para o aumento da capacidade de investimento da iniciativa privada no setor. A reformulação é preparada por técnicos da secretaria-executiva do PPI, comandada pelo ministro Moreira Franco.

Conforme a Lei Nacional do Saneamento, de 2007, os municípios, responsáveis pelo fornecimento de água, esgoto e coleta de lixo, têm total autonomia para conceder os serviços, seja para empresa privada ou autarquia estadual. Para isso, eles são obrigados a criar uma agência reguladora para supervisionar o concessionário, ou optar pelo uso de agências estaduais já constituídas.

Representantes do setor privado apontam esse processo como o principal gargalo ao avanço das privatizações no saneamento, pois falta capacidade técnica à maioria dos municípios, além da existência de conflitos políticos.

Paulo Roberto de Oliveira, presidente da concessionária Ambient, que atua nos serviços de esgoto em Ribeirão Preto, e diretor-presidente da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon), diz que a presença da União como regulador teria o papel de organizar melhor o ambiente de negócios, permitindo o avanço dos investimentos.

“Diferentemente do que acontece nos setores de aeroportos, telefonia, transportes, estamos vendo hoje uma proliferação de agências reguladoras municipais. São prefeitos que não querem fazer convênios com os Estados por causa de diferenças políticas e têm dificuldades para estruturar suas próprias agências. Então, hoje existem critérios para uma concessão no Sul, outros diferentes para uma PPP no Nordeste e um projeto completamente distinto para o Norte. Mas o investidor é sempre o mesmo, então é difícil tirar um projeto do papel”, critica Oliveira.

O pesquisador do Insper Paulo Furquim de Azevedo chama atenção para a importância do desenho institucional da nova ANA. “A ideia parece boa, mas se não for bem pactuada politicamente pode se transformar em mais um foco de conflito entre entes federados e trazer risco de judicialização. É preciso ter cuidado para que não se passe por cima da autonomia federativa. Além disso, é essencial que a agência nasça fortalecida, com recursos e pessoal qualificado”, acrescenta Azevedo.

A possibilidade de Estados e municípios terem apoio institucional e financeiro da União para a modelagem de projetos e elaboração de contratos é unanimidade entre empresários e especialistas do setor sanitário, pois dá mais clareza aos processos de concessão e PPPs, facilitando a elaboração de projetos em municípios de pequeno porte e agilizando a liberação de recursos de órgãos de financiamento privados e públicos, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Caixa Econômica Federal.

“A liberação de recursos é lenta, precisa acelerar. Com projeto bem elaborado, esperamos ter agilidade na aprovação e liberação dos financiamentos para nos ajudar na programação de investimento exigidos nos contratos”, diz Oliveira.

Menos da metade das residências do país tem cobertura de esgoto atualmente, enquanto o fornecimento de água atende 93% da população. O investimento anual no setor, público e privado, gira em torno de R$ 12 bilhões, bem abaixo dos R$ 15 bilhões por ano necessários para universalizar os serviços em 20 anos, como prevê o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab).

O setor privado, com cerca de 320 concessões de água e esgoto, tem 5% dos serviços no país, mas é responde por 20% dos investimentos – R$ 2,5 bilhões por ano.

Segundo a Abcon, com o avanço das privatizações esperadas pelo governo interino, os investimentos privados em saneamento têm capacidade para chegar a 30% do total do setor num prazo de dez a 15 anos. “Mas é preciso que essas medidas que estão entrando na agenda agora sejam implementadas rapidamente, até o fim do ano, para aproveitar o fôlego dos novos prefeitos que vão assumir em 2017”, cobra Oliveira.

Fábio Giori, diretor de Saneamento da Federação Nacional dos Urbanitários da Central Única dos Trabalhadores (FNU-CUT), diz que a União deveria se comprometer, com recursos e capacidade técnica, com o fortalecimento do atendimento sanitário público. “Estão querendo entregar um serviço essencial para empresas que buscam apenas o lucro. Elas não querem atuar em municípios pequenos e distantes, onde obras de engenharia são muito caras e o retorno com tarifas é baixo. O mesmo dinheiro do BNDES e da Caixa que querem usar para privatização podem fortalecer serviços públicos de saneamento”, afirma Giori.

Fonte: Valor Econômico

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