RESTINGAS: quando são APPs, quando são formação florestal do Bioma Mata Atlântica e quando podem ser suprimidas?

As restingas geram sempre muita confusão. A começar porque a mesma nomenclatura é utilizada para duas coisas completamente distintas. Isso pois existe o solo de restinga (a chamada restinga geológica) e a vegetação de restinga (a restinga biológica). Para não incorrer nas ditas “confusões” é necessário estudar o assunto e entender as peculiaridades inerentes ao mesmo.

O solo de restinga pode ser APP – caso ainda possua função ambiental[1] – independentemente da existência de vegetação de restinga recobrindo o mesmo. Já a vegetação de restinga pode ser APP quando esteja fixando dunas ou estabilizando mangues. Quando ela não possui essa característica ela é, então, uma formação florestal do Bioma Mata Atlântica.

Assim, falando especificamente da vegetação de restinga, é importante ter muito clara essa diferenciação. Isso porque quando ela estiver fixando dunas ou estabilizando mangues, ela será APP independentemente do seu estágio sucessional. Essa definição é trazida pelo Código Florestal (Lei Federal 12.651/12) em seu art. 4º,VI[2]. E quando for caracterizada como APP, somente poderá ser suprimida nas hipóteses previstas no Código Florestal (utilidade pública, interesse social ou baixo impacto, trazidas nos incisos VIII, IX e X, do art. 3º).

Já quando a vegetação de restinga não tiver a característica de fixar dunas ou estabilizar mangues, ela será, como já dito, uma formação florestal do Bioma Mata Atlântica[3]. Neste caso a sua conservação, proteção, regeneração e utilização serão regradas pela Lei Federal 11.428/06 (a chamada Lei da Mata Atlântica-LMA). E aí a possibilidade de sua supressão se dará conforme o tipo de atividade a ser desenvolvida na localidade em que se pretende implantar um empreendimento. Poderá ser integralmente suprimida nos casos em que a atividade a ser desenvolvida seja definida na LMA como sendo de utilidade pública ou interesse social (art. 3º, VII e VIII). Poderá também ser integralmente suprimida (desde que nãos seja uma formação primária) para a atividade de mineração (art. 32). E poderá, por fim, ser suprimida de acordo com seu estágio sucessional (100% se for estágio inicial de regeneração, 70% se for estágio médio de regeneração e 50% se estiver no estágio avançado de regeneração), nos casos de parcelamento de solo e edificações (arts. 30 e 31[4]).

Já o solo de restinga possui sua definição mais antiga na Resolução CONAMA 303/02 (art. 2º, VIII[5]) e mais recentemente no Código Florestal (art. 3º, XVI[6]). Contudo, não é o CFlo que deu ao solo de restinga a proteção de uma APP. Isso foi uma criação da já referida Resolução CONAMA 303/02. Aqui cabe destacar que este autor não concorda com o entendimento corroborado pelo Supremo Tribunal Federal de que uma Resolução do CONAMA pode “criar” uma APP. Isso ofende o princípio da legalidade entre várias outras questões. Contudo, o presente artigo não visa criticar esse entendimento, que foi consagrado nas ADPFs 747, 748 e 749, mas sim demonstrar quando também o solo de restinga é considerado uma APP.

Preceitua a Resolução CONAMA 303/02, no art. 3º, IX a, que as restingas (solo) serão APP em faixa mínima de 300 metros, medidos a partir da linha de preamar máxima. Mas reparem, que não são quaisquer 300 metros a partir da tal linha de preamar máxima que serão APP, mas somente aquelas áreas em que o solo for de restinga, na exata definição da norma do Conselho Nacional de Meio Ambiente. E somente nesses casos é que tal área terá proteção conferida às APPs. Nos demais casos (a grande maioria do litoral brasileiro, importante registrar), o solo dos “primeiros 300 metros a partir da LPM” não são solo de restinga e, portanto, podem ser ocupados respeitando as leis de uso e ocupação do solo e demais normas ambientais (inclusive e, especialmente, o Código Florestal).

Esclarecida a diferenciação e as diferentes classificações para solo e vegetação de restinga, importante informar a você, caro leitor, a necessidade de identificar corretamente se há restinga (solo ou vegetação) em uma área que você deseja adquirir ou empreender. E, em havendo, se o projeto que você pretende levar a frente pode ser executado. Feito isso de forma correta e entendendo as possibilidades de uso e compensação pela supressão da vegetação, seu projeto deverá ter viabilidade ambiental.


[1] Uma área, ainda que definida pelo Código Florestal ou por norma infralegal como APP, somente terá esse tratamento se ainda possuir função ambiental. Isso está claramente definido no art. 3º, II, do CFlo. A saber: Área de Preservação Permanente – APP: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas;

[2] Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:

VI – as restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;

[3] Art. 2º Para os efeitos desta Lei, consideram-se integrantes do Bioma Mata Atlântica as seguintes formações florestais nativas e ecossistemas associados, com as respectivas delimitações estabelecidas em mapa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, conforme regulamento: Floresta Ombrófila Densa; Floresta Ombrófila Mista, também denominada de Mata de Araucárias; Floresta Ombrófila Aberta; Floresta Estacional Semidecidual; e Floresta Estacional Decidual, bem como os manguezais, as vegetações de restingas, campos de altitude, brejos interioranos e encraves florestais do Nordeste.

[4] Importante destacar que esses percentuais podem mudar se a formação florestal for considerada primária e se a área em que se encontra o imóvel passou a fazer parte do perímetro urbano após dezembro de 2006.

[5]  restinga: depósito arenoso paralelo a linha da costa, de forma geralmente alongada, produzido por processos de sedimentação, onde se encontram diferentes comunidades que recebem influência marinha, também consideradas comunidades edáficas por dependerem mais da natureza do substrato do que do clima. A cobertura vegetal nas restingas ocorrem mosaico, e encontra-se em praias, cordões arenosos, dunas e depressões, apresentando, de acordo com o estágio sucessional, estrato herbáceo, arbustivos e arbóreo, este último mais interiorizado;

[6]  restinga: depósito arenoso paralelo à linha da costa, de forma geralmente alongada, produzido por processos de sedimentação, onde se encontram diferentes comunidades que recebem influência marinha, com cobertura vegetal em mosaico, encontrada em praias, cordões arenosos, dunas e depressões, apresentando, de acordo com o estágio sucessional, estrato herbáceo, arbustivo e arbóreo, este último mais interiorizado;

Publicado em: 17/12/2024

Por: Marcos Saes

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