Afinal, é possível construir em morros?

A questão da viabilidade ambiental de construções em morros é multifacetada e exige uma análise cuidadosa sob diferentes prismas. Inicialmente, é relevante sublinhar que as restrições para construções podem não estar exclusivamente atreladas à existência de morros em si, mas a qualquer área que apresente determinada declividade ou altitude acentuadas.

Isso porque a definição de “morro” é específica e técnica. Segundo a Resolução CONAMA n. 303/2002, é considerado morro toda “elevação do terreno com cota do topo em relação à base entre cinquenta e trezentos metros e encostas com declividade superior a trinta por cento (aproximadamente dezessete graus) na linha de maior declividade” (art. 2º, inciso IV). Portanto, vejamos as restrições que podem estar associadas a áreas com declividade ou altitude acentuadas.

A análise da viabilidade de edificações em áreas com declividade ou altitude acentuada deve englobar diversos aspectos, uma vez que a legislação aborda o tema por meio de diferentes normas e sob múltiplas perspectivas.

O primeiro e mais evidente aspecto refere-se às restrições de edificação em Áreas de Preservação Permanente (APPs), conforme delineado pelo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012). O Código Florestal impõe restrições com base na declividade e na altitude do terreno, não se restringindo apenas à presença de morros.

No que concerne às APPs, decorrentes de características relacionadas à declividade e altitude dos terrenos, o Código Florestal estabelece o seguinte:

Art. 4º – Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:

[…]

V – as encostas ou partes destas com declividade superior a 45º, equivalente a 100% (cem por cento) na linha de maior declive;

[…]

VIII – as bordas dos tabuleiros ou chapadas, até a linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais;

 IX – no topo de morros, montes, montanhas e serras, com altura mínima de 100 (cem) metros e inclinação média maior que 25º, as áreas delimitadas a partir da curva de nível correspondente a 2/3 (dois terços) da altura mínima da elevação sempre em relação à base, sendo esta definida pelo plano horizontal determinado por planície ou espelho d’água adjacente ou, nos relevos ondulados, pela cota do ponto de sela mais próximo da elevação.

X – as áreas em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação;

Como se observa, essas disposições elucidam que as restrições de edificação não se limitam à definição técnica de “morro”, mas abrangem os montes, montanhas, serras e também as encostas com declividade superior a 45 graus.

Nota-se também que, em relação ao inciso IX, tais restrições aplicam-se especificamente a morros, montes, e demais elevações com inclinação média superior a 25º. Em todo caso, é importante lembrar que áreas com declividade acentuada podem estar sujeitas a rigorosas restrições ambientais.

O Código Florestal também define como APPs as bordas das superfícies planas e elevadas, conhecidas como tabuleiros e chapadas,[1] exigindo uma área de preservação mínima de 100 metros a partir da linha onde o terreno apresenta uma mudança brusca de inclinação.

Observa-se que é bastante comum que os Planos Diretores dos municípios incorporem em seus zoneamentos urbanos áreas que, devido à declividade ou altitude, apresentem restrições para edificações. Essas restrições geralmente estão relacionadas à necessidade de evitar deslizamentos e outros riscos geotécnicos, como a alteração do fluxo de água e a erosão do solo, bem como impactos negativos sobre a fauna e a flora locais.

Além disso, é importante lembrar que existem restrições relacionadas à supressão de vegetação, que não estão necessariamente vinculadas à declividade do terreno, embora possam estar associadas a ela. Tais restrições à supressão de vegetação podem, por si só, inviabilizar a construção ou empreendimento.

Portanto, a análise da viabilidade de construção em áreas com declividade ou altitude acentuadas deve ser conduzida de forma abrangente e rigorosa, englobando tanto aspectos técnicos quanto jurídicos. É essencial considerar as restrições impostas em âmbito federal, estadual e municipal, que podem incidir sobre esses tipos de terrenos. Apenas uma avaliação detalhada e criteriosa, caso a caso, pode assegurar que todos os requisitos legais sejam cumpridos e que os possíveis riscos ambientais e geotécnicos sejam adequadamente mitigados.


[1] Segundo o manual técnico de Geomorfologia do IBGE, tabuleiros e chapadas são formas de relevo de topo plano, elaboradas em rochas sedimentares, em geral limitadas por escarpas. Enquanto os tabuleiros apresentam altitudes relativamente baixas, as chapadas situam-se em altitudes mais elevadas (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Manual Técnico de Geomorfologia. Rio de Janeiro, IBGE, 2009).

Publicado em: 22/07/2024

Por: Isabella Dabrowski Pedrini 

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