Qual o papel do judiciário nas questões envolvendo o Meio Ambiente?

A tripartição de Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), como conhecemos nas democracias contemporâneas, remonta ao século XVI1. Ela fica consagrada na obra “Espírito das Leis”, de Montesquieu, que propôs a reformulação das instituições políticas através da chamada “teoria dos três poderes”. Essa teoria se mostrava como uma alternativa viável de governo que não fosse autoritário e nem absolutista.

Sabemos que o Brasil adotou a Tripartição de Poderes desde a Constituição Federal de 1891. Desde então, essa tem sido a forma de organização do Estado Democrático Brasileiro.

Cabe ao Poder Legislativo, constituído por políticos escolhidos pelo povo, criar as leis. Por sua vez, a função do Poder Executivo é a de executá-las e atender aos interesses da coletividade. Por fim, o Poder Judiciário é o responsável por julgar eventuais conflitos, garantindo a correta aplicação das leis e das normas constitucionais. 

Essa separação entre os Poderes funciona como mecanismo de freios e contrapesos, impedindo, assim, que um Poder se sobreponha ao outro, ocasionando, assim, abuso de poder. Ainda que a explicação dada até aqui seja bastante básica, é sempre importante relembrar isso, a fim de, como dito, evitar um descompasso entre os Poderes e, consequentemente, a ocorrência de injustiças por parte do Estado para com os cidadãos.

O Tribunal de Justiça de São Paulo define a função do Poder Judiciário como a de “garantir os direitos individuais, coletivos e sociais e resolver conflitos entre cidadãos, entidades e Estado2. Assim fica muito claro, que não cabe ao Poder Judiciário avaliar se as leis são boas ou ruins, se atendem aos anseios dos próprios membros desse Poder ou se elas atendem a pseudo princípios criados por doutrinadores. No caso específico do Supremo Tribunal Federal (STF), por exemplo, cabe aos seus membros, em um primeiro momento, avaliarem se uma determinada lei invocada por uma das partes padece de vício de inconstitucionalidade (e se assim ocorrer declarar essa inconstitucionalidade por meio do controle difuso ou concentrado). Ultrapassada a questão da constitucionalidade, resta ao Judiciário apenas e tão somente verificar se as normas aplicáveis ao caso foram corretamente observadas. Não cabe, portanto, tentar fazer justiça por convicções pessoais ou criações doutrinárias.

Isso é muito importante para se manter o sistema da tripartição dos Poderes em equilíbrio. Isso é extremamente relevante para se garantir segurança jurídica a todos os cidadãos e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. E mais do que isso, agir dessa forma, garante o correto funcionamento do Estado. Assim, nos parece correto afirmar que não cabe ao Judiciário a defesa de um meio ambiente intocado, muito menos de um desenvolvimento que não venha com sustentabilidade. E isso fica muito claro, por exemplo, na leitura conjunta dos arts. 225 (Meio Ambiente) e 170 (Ordem Econômica e Financeira) de nossa Carta Magna. 

Se é verdade que no art. 170 há uma clara preocupação com o meio ambiente3, também é verdade que o art. 225, para garantir o “meio ambiente ecologicamente equilibrado” previu a possibilidade de utilização de recursos naturais para a implantação de obras ou atividades, mediante a realização de estudo de impacto ambiental4. De igual forma, ao tratar dos importantes biomas Amazônico, Mata Atlântica e Pantanal, por exemplo, a Carta Magna trouxe expressamente a possibilidade de sua utilização, desde que com preservação5.   

Dessa forma, claro está que nosso constituinte estabeleceu essas regras, respeitando a definição de sustentabilidade. Lembrando sempre que a mesma vem baseada em três eixos, a saber: social, ambiental e econômico. Isso, por si só, afasta qualquer ideia de que a natureza deve ficar intocada, bem como de que ela pode ser utilizada sem parcimônia, cuidados e medidas mitigadoras e compensatórias. 

As leis ambientais que versam sobre a flora, por exemplo, deixam essas possibilidades muito claras. Tanto o Código Florestal (Lei Federal 12.651/12), quanto a Lei da Mata Atlântica (Lei Federal 11.428/06) tem esse conceito muito bem trabalhado. Ambas são leis protetivas, mas que trazem em seu bojo as possibilidades de utilização das florestas brasileiras. Se é verdade que o Código Florestal cria Áreas de Preservação Permanente, que como regra não podem ser utilizadas6, ele também trouxe as possibilidades em que essas áreas podem ser utilizadas para proveito econômico e social7.

Também a Lei da Mata Atlântica, previu como regra a manutenção das formações florestais que a compõem (art. 11), mas criou três regimes jurídicos em que mesmo as formações florestais em estágios mais elevados de regeneração podem ser utilizadas (arts. 14, 30, 31 e 32), mediante compensação (art. 17).

Por todo o exposto, a resposta a ser dada ao questionamento presente no título desse artigo, é que o papel do Poder Judiciário nas questões envolvendo o meio ambiente é o de verificar se as normas de regência acerca do tema foram corretamente aplicadas. Qualquer decisão que extrapole essa premissa, poderá ser encarada como um ativismo judicial, algo nefasto não só ao Judiciário, mas a própria tripartição de Poderes. Isso porque ao negar a aplicação de uma lei – seja ela permitindo ou negando a implantação de um projeto que requer a utilização de recursos naturais – se coloca em xeque toda a organização social de nosso País.

Já escrevi anteriormente que o direito ambiental é apaixonante, mas ainda é direito. Por isso, cabe aos magistrados, julgarem sem paixão e verificando a correta aplicação das normas que regem o tema. Caso contrário, podem até mesmo lembrar a famosa frase de Maquiavel “aos amigos os favores, aos inimigos a lei”. Traduzindo para o nosso texto, “ao que concordo um pseudo princípio ou uma interpretação favorável, ao que discordo os rigores da lei”.


1  A Tripartição dos Poderes é fruto das ideias do teórico inglês John Locke (1632 – 1704).

2https://www.tjsp.jus.br/PoderJudiciario/PoderJudiciario/OrgaosDaJustica#:~:text=A%20fun%C3%A7%C3%A3o%20do%20Poder%20Judici%C3%A1rio,financeira%20garantidas%20pela%20Constitui%C3%A7%C3%A3o%20Federal.

3 Art. 170, VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e seus processos de elaboração e prestação.

4 Art. 225, IV. Exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade.

5  Art. 225, § 4º.

6  Lei Federal 12.651/12, art 3º, II c/c art. 4º.

7 Lei Federal 12.651/12, art. 3º, VIII, IX e X c/c art. 8º.

Publicado dia: 05/10/2023.

Por: Marcos Saes

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