A pessoa jurídica é a junção de uma ou mais pessoas físicas (ou jurídicas) em torno de um único registro público. Sem indivíduos, portanto, não existe a personificação jurídica. Essa definição simplória traduz bem o conceito além de descrever a chave para a compreensão do que é a desconsideração da personalidade jurídica adiante abordada.
Tradicionalmente, os bens dos sócios não respondem pelas dívidas de sua empresa. Foi a forma encontrada pelo legislador para estimular o empreendedorismo nacional e, assim, garantir a autonomia da pessoa jurídica além da distinção entre sócios e empresas.
Os sócios, contudo, não são intocáveis como pode soar. Quando demonstrado em processo judicial o abuso da personalidade jurídica, “caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial” (art. 50 do Código Civil), a lei permite que a pessoa jurídica seja simplesmente desconsiderada, de modo que seus sócios a substituam respondendo pela ilegalidade perpetrada.
A norma define desvio de finalidade como a “utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza”, enquanto a confusão patrimonial é “a ausência de separação de fato entre os patrimônios”.
Mas no direito ambiental é diferente. Tais critérios não são necessários para garantir a desconsideração, que parte de uma abordagem mais ampla e moderna do instituto no âmbito dos direitos difusos e intergeracionais. É nesse sentido que o artigo 4º da Lei de Crimes Ambientais (Lei Federal n. 9.605/98) dispõe que “a pessoa jurídica poderá ser desconsiderada sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente”.
Quer dizer, na ocorrência de atos de ilegalidade que atentem contra o meio ambiente, tem-se entendido que a desconsideração da personalidade jurídica causadora não depende da prova de culpa ou de abuso da personalidade, bastando a demonstração da insuficiência patrimonial da pessoa jurídica para reparar os danos ambientais1.
A desconsideração da personalidade jurídica no direito ambiental serve não só como instrumento para garantir a reparação do dano, mas também para coibir as práticas nocivas ao meio ambiente e responsabilizar os verdadeiros seres humanos responsáveis.
À luz dos princípios constitucionais2, a desconsideração visa proteger o meio ambiente como um direito fundamental e garantir a função social da empresa, que deve exercer suas atividades de forma sustentável e respeitosa com os recursos naturais.
Ilustrativo é o exemplo do rompimento da barragem do Fundão, em Mariana/MG, catástrofe ambiental e humanitária lamentavelmente ocorrida em 2015. No curso da ação que visa a condenação da empresa aos danos causados, a Justiça Federal determinou a desconsideração da personalidade jurídica da Samarco, empresa responsável pela barragem, para atingir o patrimônio de suas controladoras, Vale e BHP Billiton, visando o bloqueio de bens para garantir a reparação dos danos.
A ampla aplicabilidade da desconsideração da personalidade jurídica em matéria ambiental, como visto, representa mais um mecanismo de defesa do meio ambiente e de responsabilização dos infratores ambientais.
1 Superior Tribunal de Justiça, REsp n. 1339046/SC, Relator Ministro Herman Benjamin, Data de Julgamento: 05/03/2013, Data de Publicação: DJe 07/11/2016.
2 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
[…]
III – função social da propriedade;
VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação.
Publicado dia: 23/06/2023
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