A preservação do meio ambiente e o uso adequado dos recursos naturais são de interesse público. Dessa forma, para garantir que isso ocorra, cabe à Administração Pública estabelecer medidas para disciplinar e restringir direitos e liberdades individuais, em favor do interesse público. Ou seja, caberá a ela fazer jus ao seu Poder de Polícia.
O Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/66), em seu artigo 78, define o Poder de Polícia como “atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público (…)”. Destarte, já é possível perceber uma limitação a esse poder: o interesse público. Qualquer medida tomada que não em prol do interesse público configura o abuso ou desvio de poder.
Outro aspecto limitador do Poder de Polícia é a proporcionalidade, devendo ser respeitadas a necessidade e a adequação. Em relação a isto, há importante passagem de José dos Santos Carvalho Filho (2009, p.80)¹:
“O princípio da proporcionalidade deriva, de certo modo, do poder de coerção de que dispõe a Administração ao praticar atos de polícia. Realmente, não se pode conceber que a coerção seja utilizada indevidamente pelos agentes administrativos, o que ocorreria, por exemplo, se usada onde não houvesse necessidade. Em virtude disso, tem a doutrina moderna mais autorizada erigido à categoria de princípio necessário à legitimidade do ato de polícia a existência de uma linha proporcional entre os meios e os fins da atividade administrativa”.
Por fim, o principal limitador é a legislação em si. Embora o Poder de Polícia tenha natureza discricionária, a Administração não está autorizada a extrapolar aquilo que a lei permite. Caso o faça, incorrerá em excesso ou desvio de poder. Assim, os meios e modos de exercício do poder de polícia devem estar previstos em lei. Em sua ausência, cabe à autoridade competente escolher os meios, considerando sempre os princípios que regem a Administração Pública: legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade.
Com isso, surge uma importante questão: se um fiscal tiver a entrada negada em um empreendimento, ele pode fazer uso do Poder de Polícia para realizar a fiscalização da área?
Depende. A utilização do Poder de Polícia de maneira coercitiva deve se ater apenas às situações de extrema necessidade, conforme estabelece o parágrafo 2º do artigo 17 da Lei Complementar nº 140:
“§ 2o Nos casos de iminência ou ocorrência de degradação da qualidade ambiental, o ente federativo que tiver conhecimento do fato deverá determinar medidas para evitá-la, fazer cessá-la ou mitigá-la, comunicando imediatamente ao órgão competente para as providências cabíveis”
Em outros casos, se tratando apenas de uma vistoria, por exemplo, para garantir que o empreendedor esteja cumprindo as condicionantes ambientais impostas, o correto, além de na maioria das vezes ser muito mais fácil e prático, é entrar em contato com os responsáveis pelo empreendimento e designar um horário em comum acordo para visitar o local. Afinal, a boa-fé deve ser presumida.
Dessa forma, outra importante questão se faz presente: é possível anular um relatório de fiscalização ou auto de infração por desrespeito ao Poder de Polícia? A resposta é sim.
Quando ocorrer o abuso do Poder de Polícia, o cidadão poderá acionar o Poder Judiciário. No entanto, o Judiciário só poderá apreciar os aspectos de legalidade e moralidade do ato administrativo, e não seu mérito.
Outra possibilidade é recorrer para a própria Administração Pública, para que reveja os atos de um de seus agentes. Isso se dá pelo princípio da autotutela, expresso no artigo 53 da Lei nº 9.784/99: “A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos”, assim como na Súmula nº 473 do STF: “A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”.
Esse princípio dita que a Administração Pública possui não só o direito, mas também o dever de controlar seus próprios atos, devendo revê-los e anulá-los quando qualquer ilegalidade houver ocorrido. Dessa forma, o laudo elaborado em decorrência de uma entrada forçada, que caracterize o abuso do Poder de Polícia, pode e deve ser anulado.
Assim, fica claro que, excluindo-se os casos em que se faz necessária uma intervenção imediata, o recomendável é que haja um diálogo prévio com designação de horário para realização de vistorias e fiscalização.
¹CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 21. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris: 2009
Publicado dia: 29/11/2021
Por: Eduardo Saes
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