Já não há como negar a tendência mundial do envolvimento das cortes no combate às mudanças climáticas. As primeiras ações da chamada litigância climática surgiram na Europa e nos Estados Unidos, mas elas já estão espalhadas pelo mundo todo. Organizado pela Columbia Law School, o site Climate Case Chart compila decisões proferidas em litígios de mudança climática em todo o mundo – e há um aumento palpável no número de casos nos últimos anos, perceptível especialmente a partir de 2015.
No caso Juliana v. United States, de 2020, o Judiciário norte-americano entendeu que a prova das mudanças climáticas era numerosa, convincente e substancial (copious, compelling and substantial).1 Em Urgenda Found. v. The Netherlands, as cortes holandesas reconheceram que o dever de cuidado do Estado em relação a seus cidadãos engloba a adoção de medidas para prevenir as mudanças climáticas, e determinou ao Executivo que implementasse metas específicas de redução de emissões.2
Os exemplos são diversos. Considerando a fragmentação geográfica dessas decisões, há grande divergência entre as cortes de cada país sobre o papel exato que o Judiciário deve adotar no combate às mudanças climáticas, bem como sobre o fundamento teórico dessa atuação. Mas a existência do fenômeno é inegável.
Nos tribunais brasileiros, já há exemplos importantes. Teve alguma repercussão nas redes sociais recente decisão da Justiça Federal do RS, em ação civil pública que discutia a instalação de uma usina termelétrica, que determinou ao IBAMA que inserisse diretrizes climáticas no processo de licenciamento ambiental de termelétricas, além de anular audiência pública realizada naquele processo.3
Na mesma linha, trabalho recente organizado pela PUC-Rio analisou e catalogou diversas decisões do STJ e do STF que, direta ou indiretamente, preocupavam-se com a questão do aquecimento global e das emissões de gases do efeito estufa.4
O reconhecimento, pelo Poder Judiciário, da existência e das consequências do aquecimento global é muito positivo, sem sombra de dúvidas. Mas é preciso tomar cuidado para que esse ativismo judicial não se transforme numa construção de um direito positivo ad hoc e praxista, sem legitimação democrática e sem princípios orientadores claros. A vontade de fazer justiça num determinado caso concreto pode gerar precedentes perigosos e imprevistos para outras situações, inclusive em outros ramos do direito.
A conclusão do caso Juliana v. United States, mencionado na abertura deste artigo, foi nesse sentido: a corte reconheceu a existência das mudanças climáticas, mas afirmou também a impossibilidade dos juízes estabelecerem ferramentas de tutela a problemas ambientais com atenção aos limites do direito pré-existente.
O autor deste artigo, em co-autoria com o advogado Mateus Stallivieri da Costa, tratou da necessidade de autocontenção do Poder Judiciário em matéria de direito ambiental em artigo acadêmico que traz conclusões também aplicáveis aos litígios de mudança climática.5 No canal Direto Ambiental, do YouTube, o sócio Marcos Saes recentemente destacou os problemas vinculados à excessiva judicialização de questões técnicas no direito ambiental.
Enquanto esse novo ramo da atuação do Judiciário está em sua infância, é indispensável que fiquem atentos todos os sujeitos afetados por esse tipo de processo, para garantir que, no suposto conflito entre meio ambiente e desenvolvimento, saia vencedor o desenvolvimento sustentável.
1Juliana v. United States, n. 18-36082, (9th Cir. Jan. 17, 2020), disponível na íntegra aqui.
2Urgenda Found. v. The Netherlands, n. 19/135, ¶ 4.3 (20 de dezembro de 2019), disponível em inglês aqui.
3Ação civil pública n. 5030786-95.2021.4.04.7100, da 9ª Vara Federal de Porto Alegre, RS. A decisão é liminar e foi atacada por recursos do IBAMA e das empresas.
4 A obra se chama “Litigância Climática no Brasil: argumentos jurídicos para a inserção da variável climática no licenciamento ambiental”, é organizada pela Prof. Danielle de Andrade Moreira, e está disponível gratuitamente na internet.
5 O artigo A judicialização do licenciamento ambiental: Uma análise do autocontrole do poder jurisdicional como manifestação do escopo político da jurisdição é parte da obra “Direito ambiental e cidades”, organizada por Talden Farias e outros professores do ramo.
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