Novos Ventos no Hemisfério Sul: Marco Regulatório para Energia Renovável Offshore na Austrália e as lições para o Brasil

Diante do enorme potencial da costa brasileira para a geração de energia a partir de fontes renováveis, entre elas a energia eólica offshore, o Ministério de Minas e Energia (MME) e a Secretaria de Patrimônio da União (SPU) têm se articulado e trabalhado com outros entes da Administração Pública para a criação de um marco regulatório adequado que possa garantir segurança jurídica a empreendedores. Nesse contexto, tramita no Senado Federal o Projeto de Lei (PL) 576/2021, que pretende disciplinar a outorga de autorizações para aproveitamento de potencial energético offshore, conforme abordamos anteriormente1. Para a definição do referido marco regulatório, é importante buscar o aprendizado gerado a partir de experiências internacionais. Foi o que fez a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) ao publicar o “Roadmap Eólica Offshore em 2020”2, no qual marcos regulatórios de países europeus, dos Estados Unidos e da China foram avaliados. 

Na Austrália, um país que, como o Brasil, possui dimensões continentais e condições favoráveis para a geração de energia renovável offshore, a ausência de um marco regulatório também tem prejudicado a realização de investimentos no setor. Nesse sentido, após submeter uma proposta preliminar para consulta pública em 20203, o Governo Federal da Austrália apresentou neste mês o PL denominado Offshore Electricity Infrastructure Bill 20214, que visa estabelecer um marco regulatório para projetos de geração e transmissão de energia renovável offshore em águas marinhas sob jurisdição federal.

O PL confere ao Ministro de Energia e Redução de Emissões o poder de declarar áreas adequadas para projetos de energia renovável offshore. Tal declaração somente poderá ser realizada após a realização de um processo de consulta pública com prazo mínimo de 60 dias para envio de submissões. Além dos comentários recebidos na consulta pública, o Ministro deverá levar em conta na sua decisão as manifestações de outras autoridades públicas competentes, o potencial impacto em outros usos marinhos e as obrigações internacionais aplicáveis. Por meio desse processo, o Governo Federal da Austrália poderá contribuir para um planejamento espacial marinho que exclua áreas ambientais sensíveis e compatibilize projetos de energia renovável offshore com outros usos marinhos relevantes. 

O marco regulatório proposto cria um sistema de licenciamento composto por quatro tipos de licença. A licença de viabilidade autoriza um empreendedor a avaliar a viabilidade de um projeto de energia renovável offshore em uma determinada área. O PL permite a realização de um processo competitivo, no qual requerentes de licenças de viabilidade deverão submeter ofertas financeiras a serem consideradas no processo de tomada de decisão. Licenças comerciais somente poderão ser concedidas para detentores de licenças de viabilidade e terão prazo de 40 anos. Esse prazo poderá ser renovado desde que o requerimento de renovação ocorra cinco anos antes do prazo de expiração. Além dessas duas licenças, o PL cria a licença de pesquisa e demonstração como uma alternativa mais célere para projetos que objetivem testar novas tecnologias voltadas para a geração de energia renovável offshore, bem como a licença de transmissão e infraestrutura, que definirá condicionantes específicas relativas a subestações, cabos submarinos, entre outras estruturas acessórias. 

A agência responsável pela fiscalização de projetos de energia renovável offshore em relação à saúde e segurança do trabalho, gestão ambiental, integridade de estruturas e adequação das operações será a National Offshore Petroleum Safety and Environmental Management Authority (NOPSEMA), que exerce na Austrália funções semelhantes às atribuídas à Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) no Brasil. Dessa forma, o Governo Federal tem como objetivo aproveitar a expertise da NOPSEMA na regulação de atividades offshore de petróleo e gás natural. Embora a indústria de energia renovável offshore possua riscos diferentes, há também inúmeras sinergias com a indústria de petróleo e gás natural que justificam a opção adotada5

O PL possui mais de 250 páginas e aborda de forma detalhada outras questões relevantes, tais como (i) os critérios para concessão de licenças; (ii) regras para a proteção de atividades e infraestrutura offshore, incluindo a possibilidade de criação de zonas de segurança temporárias e definitivas; e (iii) obrigações relacionadas ao descomissionamento de estruturas. Após a aprovação do PL, que deverá ocorrer ainda neste ano, o Governo Federal da Austrália deverá apresentar a proposta de Regulations, correspondente a um decreto regulamentador, que esmiuçará ainda mais as regras propostas para a geração e transmissão de energia renovável offshore. A proposta australiana também pode ser avaliada como uma oportunidade de benchmarking para o desenvolvimento do marco regulatório brasileiro. 


1Vide “Projeto de Lei regulamenta a geração de energia offshore no Brasil” em <https://www.saesadvogados.com.br/2021/05/17/projeto-de-lei-regulamenta-a-geracao-de-energia-offshore-no-brasil/>. Acesso em: 07/09/2021.

2Disponível em: <https://www.epe.gov.br/sites-pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/PublicacoesArquivos/publicacao-456/Roadmap_Eolica_Offshore_EPE_versao_R2.pdf>. Acesso em: 07/09/2021.

3Vide “Offshore clean energy infrastructure – proposed framework” em <https://consult.industry.gov.au/offshore-exploration/offshore-clean-energy-infrastructure/> Acesso em 07/09/2021.

4Disponível em: <https://www.aph.gov.au/Parliamentary_Business/Bills_Legislation/Bills_Search_Results/Result?bId=r6774>. Acesso em: 07/09/21. O referido projeto de lei foi apresentado concomitantemente ao Offshore Electricity Infrastructure (Regulatory Levies) Bill 2021, iniciativa correlata que estabelece as taxas a serem aplicadas em decorrência do novo marco regulatório. <https://www.aph.gov.au/Parliamentary_Business/Bills_Legislation/Bill_Search_Results/Result?bld=r6775>. Acesso em: 07/09/21.

5Vide Wifa, E & Hunter TS (2021) ‘Mitigating occupational health and safety risks in the proposed Australian offshore wind energy industry: lessons from the safety case regime’, Journal of Energy & Natural Resources Law, DOI: 10.1080/02646811.2021.1879547.

Por: Miguel Franco Frohlich

Publicado em: 20/09/2021

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