O marco temporal na demarcação das terras indígenas: entenda a polêmica no STF

O STF está em meio a um dos julgamentos mais importantes dos últimos tempos para os povos indígenas, o Recurso Extraordinário n. 1.017.365, relatado pelo Min. Edson Fachin.

A questão enfrentada pelo recurso: no processo de demarcação das terras ocupadas por tais povos, deve ser considerada a realidade que existia em 1988, ou é preciso que a demarcação retroaja, para abarcar todas as terras tradicionalmente ocupadas por tais povos?

A discussão surgiu porque a proteção às terras indígenas decorre do art. 231 da Constituição Federal, que foi promulgada em 5 de outubro de 1988. Esse dispositivo garante aos índios a proteção das “terras tradicionalmente ocupadas” por eles (art. 231, § 2º), afirmando que essas terras são inalienáveis e indisponíveis.

Em outras palavras: no direito brasileiro, quem tem título de propriedade sobre terras indígenas devidamente demarcadas na verdade não tem nada. Essas terras pertencem aos povos indígenas e não podem ser negociadas. 

O problema é definir se esse direito surgiu com a Constituição de 1988, ou se a Constituição assegura um direito que esses povos sempre tiveram. Se for o primeiro, então consideram-se terras tradicionalmente ocupadas apenas aquelas que o eram em 5 de outubro de 1988; se for o segundo, então todas as terras que esses povos ocupavam, antes ou depois da Constituição, devem ser demarcadas como sendo indígenas.

Evidentemente, a questão suscita polêmicas. Especialmente para o setor agropecuário, a decisão significa potencialmente a perda de titularidade e consequente desapropriação de milhares de hectares de terra. Para os povos indígenas, ela significa que o direito brasileiro reconhecerá como regulares os atos que levaram à redução das terras ocupadas por eles antes de 1988, muitos deles marcados pela violência. 

A discussão dá continuidade a um debate que o STF já enfrentou no julgamento da petição 3388, o famoso caso da Raposa Serra do Sol. Naquela situação, a Corte estabeleceu as condições para a demarcação das terras indígenas e afirmou a existência e importância dessa proteção constitucional. Todavia, aquele caso não era um julgamento de recurso extraordinário com repercussão geral, então ele não tinha efeitos vinculantes sobre o país inteiro. 

Conflito com o Congresso

O julgamento já teve início no dia 11 de agosto. Após a leitura do relatório, o relator, min. Edson Fachin, proferiu voto contrário ao marco temporal. A sessão de julgamento terá continuidade no dia 1º de setembro. 

Como tudo sinaliza que o STF decidirá pela posição mais favorável aos direitos indígenas, a matéria já está sendo objeto de reação por parte do Poder Legislativo, em mais um episódio de conflito entre os Poderes em matérias importantes. O Congresso se movimenta para aprovar o PL 490/2007, que institui o marco temporal de 5 de outubro de 1988 para a demarcação das terras indígenas.

Se a Lei for aprovada, sua constitucionalidade certamente será questionada perante o Supremo Tribunal Federal. Assim, tudo indica que essa disputa ainda está longe de ser definitivamente encerrada.

Por: Pedro Henrique Reschke

Publicado em: 30/08/2021

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