Instituições financeiras podem ser responsabilizadas por danos ambientais causados por seus mutuários?

No Brasil conforme a Lei nº 6.938 de 1981 é considerado poluidor aquele (pessoa física ou jurídica) que for responsável “direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental”. A mesma lei ainda impõe que as instituições de financiamento e fomento públicas deverão condicionar o crédito à verificação do cumprimento das normas ambientais, correções de inconvenientes e danos. 

Nota-se que apesar da lei não mencionar (explicitamente) que um credor possa ser responsabilizado por um dano ambiental atribuído a um empreendimento financiado, talvez em um futuro próximo todas as instituições financeiras venham a ser responsabilizadas de forma solidária por danos ambientais.

Isso porque em março deste ano o Deputado Carlos Bezerra (MDB-MT) propôs o Projeto de Lei n. 702/2021 para tratar da responsabilidade civil de instituições financiadoras e de fomento de atividades, obras ou empreendimentos potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos ambientais, alterando a Lei nº 6.938 de 1981

No projeto consideram-se responsáveis solidariamente pelo dano ambiental imputado ao mutuário aquelas instituições que não comprovarem ter cumprido plenamente seu dever de diligência ambiental em relação aos projetos, obras, empreendimentos e atividades que financiam. 

O texto já sofreu emenda para redefinir o dever de diligência a ser observado pelas instituições de crédito, deixando mais subjetivo o detalhamento dos deveres de cuidado para cada operação ou atividade. O que é preocupante.

Vale lembrar que em 2009 o Ministro Herman Benjamin prolatou uma decisão1, em processo que não versava sobre responsabilidade de instituições financeiras, que parecia ter alterado os rumos da jurisprudência brasileira. O Ministro, como Relator, afirmou em seu voto que “para o fim de apuração do nexo de causalidade do dano ambiental, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem deixa fazer, quem não se importa que façam, quem financia para que façam, e quem se beneficia quando outros fazem” (grifo meu). 

No que concerne às instituições financeiras, essa interpretação da lei parece não ter prosperado nos anos que se seguiram, considerando que poucos foram os casos em que o Ministério Público ajuizou Ações Civis Públicas contra instituições financeiras de maneira solidária. Além disso, nesses poucos casos2, restou controversa a possibilidade de responsabilização, uma vez que não foi possível comprovar a extensão da contribuição da instituição financeira para o dano causado pelo mutuário.

O argumento daqueles favoráveis a esse tipo de responsabilidade solidária repousa na crença de que sem o financiamento o empreendimento que se provou degradador não teria sido levado adiante e, consequentemente, não haveria dano ambiental. Esse é um problema para a teoria jurídica, porque torna o nexo de causalidade uma corrente de encadeamento sem fim.

A partir dessa reflexão, vêm os questionamentos. A partir de qual data se inicia o compartilhamento de responsabilidade entre instituição financeira e o cliente mutuário? A partir da assinatura do contrato? Da disponibilização do crédito? E até quando perdura essa responsabilidade? Indefinidamente? 

As perguntas são muitas e não serão respondidas pelo Projeto de Lei 702/2021 – pelo menos não da maneira em que se encontra hoje. Em todo caso, é de todo recomendável que as instituições financeiras tenham como prática a adoção de uma abordagem cautelosa em suas operações e permanecerem cercadas de consultores preparados para qualquer eventualidade.


1 STJ, REsp n. 650728, Segunda Turma, Relator Min. Herman Benjamin, DJe 02.12.2009. Trata-se de Recurso Especial interposto contra acórdão em Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal de Santa Catarina que tinha como objetivo condenar os réus por danos ambientais decorrentes de aterro e drenagem de manguezal em imóvel urbano.

2 Ver: TJMG, Apelação Cível n. 1.0223.13.015274-5/001, Relator Des. Corrêa Junior, DJe 01.09.2017; TJRS, Apelação Cível n. 70067352005, Relator Des. Laura Louzada Jaccottet, DJe 06.06.2016.

Por: Isabella Dabrowski Pedrini

Publicado em: 30/08/2021

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