A problemática em torno da certidão de uso e ocupação de solo é um dos sinais mais claros de quão difícil pode ser encontrar harmonia no concerto de interesses distintos que está em jogo dentro de um processo de licenciamento ambiental.
Recentemente, em março de 2021, o IBAMA resolveu esse problema por meio do Despacho 7013022/2020-GABIN. Apoiado na Lei 13.874/2019 (Declaração dos Direitos da Liberdade Econômica), o documento dispensa a exigência da dita certidão nos processos de licenciamento do IBAMA. A mudança foi muito bem-vinda.
Para entender o problema, tome-se o exemplo do licenciamento ambiental no setor portuário. Conforme o Decreto 8.437/2015, que regulamenta a Lei Complementar 140/2011, é de competência da União o licenciamento de portos organizados e terminais de uso privado, desde que atendam a um certo nível de movimentação de carga por ano. Faz sentido. Afinal, são projetos de infraestrutura, com grande valor estratégico para a economia nacional.
Durante esse processo de licenciamento ambiental, a Resolução 237/1997 do CONAMA exige que seja apresentada certidão de uso e ocupação de solo, emitida pela Prefeitura Municipal, declarando que o empreendimento está de acordo com a legislação municipal aplicável à área. Assim, a Resolução acaba outorgando ao Município o poder de, por qualquer motivo, se recuse a fornecer a certidão de uso e ocupação do solo. Com isso, a Prefeitura acaba ganhando o poder direto de travar todo o licenciamento. Sem certidão, sem porto.
Põe-se à evidência assim um grande choque na repartição de competências. Não é difícil imaginar o tipo de entrave que pode ser criado por agentes públicos locais, muitas vezes com base em interesses políticos circunstanciais, pela simples recusa na emissão da certidão. Um simples canetaço que prejudica a potencial geração de milhares de empregos e de acréscimo à infraestrutura comercial do país.
Por isso, a exigência feita pela Resolução 237/97 sempre foi alvo de críticas, especialmente porque não é lei, mas mesmo assim cria uma exigência que restringe direitos.
Esse cenário mudou com a promulgação da Lei 13.874/2019, a Declaração dos Direitos da Liberdade Econômica. Entre outras normas que objetivam aumentar a eficiência da máquina pública, a nova lei previu que é direito de toda pessoa “não ser exigida pela administração pública direta ou indireta certidão sem previsão expressa em lei” (art. 3º, XII). Como a Resolução 237/97 não é lei, essa exigência cai por terra.
Embora alguns órgãos ambientais ainda hesitem em deixar de exigir a certidão, o IBAMA já manifestou seu entendimento claro no sentido de que a certidão não pode mais ser exigida, no despacho interno já mencionado. Pelo menos dentro do órgão federal, a controvérsia terminou.
Para colocar a última pá de cal na discussão (embora ela já esteja, na prática, resolvida pela Lei da Liberdade Econômica), o Projeto de Lei Geral do Licenciamento Ambiental, recentemente aprovado na Câmara (como já informamos por aqui), prevê de uma vez por todas, em seu art. 16, que “O licenciamento ambiental independe da emissão da certidão de uso, parcelamento e ocupação do solo urbano emitida pelos municípios (…) sem prejuízo do atendimento, pelo empreendedor, da legislação aplicável a esses atos administrativos”.
A redação do dispositivo é muito feliz porque, além de esclarecer a controvérsia, também serve para afastar um dos principais receios levantados por quem defende a exigência da certidão: dispensar a certidão de uso e ocupação do solo não significa que a legislação municipal esteja livre para ser desrespeitada. Só houve a redução de uma etapa do processo.
Publicado dia: 17/05/2021
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