Este artigo tem por objetivo explorar se as áreas contaminadas podem ser consideradas atraentes para o setor imobiliário em razão da escassez de áreas em centros urbanos.
Sabe-se que cada vez mais os centros urbanos ganham incentivos à verticalização, ou seja, a construção de edifícios, em detrimento de condomínios ou loteamento de casas.
Percebe-se, ainda, uma tendência clara destes empreendimentos estarem sendo desenvolvidos em áreas periféricas de expansão urbana, onde ainda há um maior espaço disponível.
Nesse contexto de saturação de áreas em centros urbanos é que ganha destaque a viabilização de uso de áreas contaminadas, objeto deste artigo. Afinal, as áreas contaminadas podem ser atrativas aos investimentos do setor imobiliário?
A resposta para essa pergunta é: depende. A compra de terrenos em que há áreas contaminadas pode ser um bom negócio para construção civil, desde que observados os requisitos mínimos para o gerenciamento de áreas contaminadas.
O Estado de São Paulo, por exemplo, pioneiro na elaboração de diretrizes e procedimentos para a proteção da qualidade do solo e gerenciamento de áreas contaminadas, possui ao todo 6.484 áreas registradas como contaminadas e reabilitadas¹. De acordo com a Lei Estadual n. 13.577/2009, que regulamenta o assunto, as áreas contaminadas são definidas como áreas, terrenos, locais, instalações, edificações, ou benfeitorias que contenham quantidades ou concentrações de matéria em condições que causem ou possam causar danos à saúde humana, ao meio ambiente ou a outro bem a proteger.
Por outro lado, o artigo 3º, inciso V, prevê a possibilidade de reutilização de áreas contaminadas que já foram remediadas. Assim, após todo processo de remediação e confirmação pelo órgão ambiental, essas áreas tornam-se passíveis de serem utilizadas uma vez que restabelecidas ao nível de risco aceitável à saúde humana.
Cabe registrar que a matéria também é regulamentada pela Resolução CONAMA 420/2009, a qual dispõe sobre os critérios e valores orientadores de qualidade do solo quanto à presença de substâncias químicas e estabelecendo diretrizes para o gerenciamento ambiental de áreas contaminadas.
Como se vê, a reabilitação e reutilização de áreas contaminadas pode ser uma alternativa de uso e de crescimento do setor imobiliário em áreas urbanas. Não se pode perder de vista, obviamente, que todo processo de remediação tem um custo, passível de ser utilizado como moeda de troca em uma negociação de compra e venda. No entanto, os empreendedores que pretendem adquirir e fazer uso futuro dessas áreas devem, antes de adquiri-las, passar pelo devido processo de due diligence da área, e caso identificada a contaminação, passar por um processo de descontaminação até que a área se torne reabilitada para o uso desejado. Ressalte-se que a comprovação e a validação da reabilitação da área pelo órgão ambiental faz com que os riscos de responsabilização ambiental diminuam de forma considerável.
A discussão sobre o importante tema já foi levada aos tribunais e, por oportuno, cabe aqui mencionar a polêmica decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em julgamento de recurso interposto pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo – CETESB contra decisão que determinou a produção de uma nova prova pericial “a fim de buscar alternativas reparadoras e mitigadoras”.
Conforme demonstrado pela CETESB no bojo recurso, a apuração da existência do dano, da sua extensão e das medidas devidas para a minimização dos prejuízos já havia sido objeto de análise de perícia no âmbito do processo administrativo em Investigação Confirmatória e no Plano de Intervenção, razão pela qual a produção de uma nova prova pericial, ainda que custeada pela Fazenda Pública, acarretaria em grave insegurança jurídica para os empreendimentos que já foram submetidos ao crivo técnico do órgão ambiental e que já obtiveram procedimento dado por encerrado.
Ainda assim, a 2ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo negou provimento ao recurso, sob o argumento de que as medidas adotadas pelos responsáveis, sob anuência da CETESB, foi simplesmente restringir o acesso à água atingida e que, com a nova perícia, além da constatação da degradação perpetrada, serão avaliadas medidas restaurativas e de mitigação, as quais não se limitam em “mera providência restritiva”.
Não obstante, recentemente o mesmo tribunal, pela 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente, proferiu decisão favorável ao empreendimento em sede de Apelação Cível nº 1051422-76.2016.8.26.0053, interposta pelo Ministério Público de São Paulo contra sentença que julgou improcedente a Ação Civil Pública ajuizada pelo parquet, com o objetivo de reparação integral da contaminação do solo e da água subterrânea causada pelas atividades industriais desenvolvidas na área no período de 1956 e 2003.
No voto o Relator esclarece que a CETESB estipulou e as empresas adotaram e ainda adotam todas as medidas cabíveis para a remediação da área. Ainda, que não deve-se adotar nenhuma visão extremista sobre o assunto. As soluções técnicas apresentadas pelo órgão ambiental competente devem ser respeitadas, razão pela qual não deve ser consagrada a intervenção excessiva do Estado. Diante disso, negou provimento ao recurso interposto pelo MPSP.
Por fim, cumpre destacar que não são poucas as atividades que podem, por sua natureza, ensejar em uma contaminação de solo. Atividades como a produção, armazenamento e uso de produtos derivados do petróleo; fabricação de equipamentos com o manejo inadequado de produtos químicos perigosos; produção de gás e carvão, armazenamento, tratamento e disposição de substâncias no solo; e tratamento de madeira e agricultura/pecuária, são as que mais acarretam em contaminação. Contudo, como visto, essa realidade pode ser revertida e a depender do caso, resultar em um bom negócio.
Publicado dia 06/04/2021
Por Nathalye Libanio
1 Relatório de Áreas Contaminadas CETESB. Acessível em https://cetesb.sp.gov.br/areas-contaminadas/wp-content/uploads/sites/17/2021/03/Areas-Contaminadas-2020.pdf
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