Afirmar que um dos tópicos mais complexos do Direito Ambiental é a definição de competências não é nenhuma novidade. Desde muito tempo o assunto tem gerado polêmicas com repercussões não só acadêmicas, mas também administrativas e judiciais.
A Constituição Federal de 1988 tratou do tema entre os artigos 21 e 33, dividindo suas disposições entre a competência formal – limites para que cada ente federativo legisle – e competência material – relacionado à atuação da Administração Pública.
Analisando a distribuição da competência material, verifica-se que grande parte da matéria de natureza ambiental foi incluída como de atribuição comum entre a União, Estados, Distrito Federal e municípios. Ou seja, cabe a todos os entes – em conjunto – proteger e administrar os bens naturais ali listados. Prevendo a possibilidade de conflitos, a Constituição determinou que: Lei Complementar fixará normas de cooperação.
Após um período de intensas divergências ocasionadas pelo vácuo legislativo, em 2010 foi promulgada a Lei Complementar 140, que estabelece regras, ritos e procedimentos para a cooperação em matéria ambiental, em especial o licenciamento – tido como um dos instrumentos mais importantes da Política Nacional do Meio Ambiente.
Ocorre que até mesmo a tão esperada norma não solucionou todos os problemas no tocante à competência material, e em especial ao licenciamento. Ainda é comum o empreendedor se deparar com a situação de incerteza em relação a qual órgão deve ou não licenciar sua obra, ou até pior, situações em que dois órgãos diferentes discordam quanto à responsabilidade.
A inaceitável situação de impedimento da continuidade do processo de licenciamento, por conta de divergências administrativas, vai de encontro com o princípio da eficiência da Administração Pública (CF88, Art. 37, Caput), assim como da celeridade dos processos (CF88, Art. 5º, LXXVIII). Compreendendo a prejudicialidade desta situação, o IBAMA regulamentou o instituto da Delegação Cautelar, por meio da Instrução Normativa nº 08/2019.
Primeiramente, é preciso esclarecer que a delegação, por si só, não é uma inovação do IBAMA. A Lei de Processo Administrativo Federal – aplicável aos licenciamentos da União – já tratava do instrumento. No mesmo sentido, a Lei Complementar 140/2010 já mencionava a possibilidade.
Assim, ao compreender a delegação como a transmissão, por parte de um órgão competente para outro, das suas atribuições legais – podendo este lhe ser este subordinado ou não -, o instituto se torna ferramenta importante na ocorrência de divergência quanto ao responsável pelo licenciamento.
Por outro lado, a inovação da IN nº8/2019 está justamente em utilizar a delegação como forma de garantir a validade dos atos normativos quando houver incerteza sobre qual o órgão licenciador. Segundo o Art. 2º, §2º, o IBAMA, em casos onde exista controvérsia judicial ou extrajudicial, poderá delegar de forma cautelar a atribuição para o licenciamento ao órgão estadual ou municipal.
Essa forma de delegação permanecerá até que a controvérsia seja esclarecida. Caso se entenda ao final que a atribuição original era de fato do IBAMA, a delegação cautelar será convertida em definitiva, mantidos os atos já realizados pelo órgão estadual ou municipal.
Contudo, caso a conclusão de divergência se encaminhe para o entendimento de que a competência para licenciar não era do IBAMA, a delegação cautelar perderá seu objeto, e os atos já emitidos pelo órgão estadual ou municipal continuarão válidos, permitindo o prosseguimento do trâmite sem prejuízos ao empreendedor.
Dessa forma, como já destacamos, a delegação cautelar prevista na IN nº 08/2019 não retira a competência originária do IBAMA, ou mesmo diminui a sua atuação como órgão licenciador, apenas prevê um mecanismo que objetiva trazer maior segurança jurídica a atuação da Administração Pública, assim como melhor aproveitamento dos atos administrativos, objetivos que vem enfrentando dificuldades desde 1988.
Por Mateus Stallivieri da Costa
Publicado em: 22/02/2021
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