Como o STJ pode mudar os rumos do país: entenda os recursos repetitivos

Se os hackers permitirem, o STJ julgará nos próximos dias o tema n. 1010 dos recursos especiais repetitivos. Esse julgamento definirá o tamanho da faixa de APP aplicável às construções nas margens de cursos d’água em áreas urbanas: ou será de 15 metros, conforme a Lei de Parcelamento de Solo Urbano, ou de 30 a 500 metros, segundo o Código Florestal. Já falamos bastante sobre isso, em mais de uma oportunidade.

Sempre que um recurso como esse é julgado, a vida de milhares de pessoas é diretamente afetada. Como se dá o impacto desse julgamento sobre os processos parados no Judiciário? Quais as perspectivas para aqueles que forem atingidos por tal julgamento? As respostas para todas essas perguntas estão no Código de Processo Civil (CPC). 

  1. Como o julgamento do repetitivo afeta os processos em andamento

Os processos que tratam sobre o assunto discutido no tema 1010 estão hoje todos sobrestados, ou seja, não estão recebendo movimentações até que o STJ se pronuncie em definitivo sobre o tema (art. 1.037, II do CPC).


Depois que o STJ proferir a decisão definitiva, a tese será aplicada a todos os casos sobrestados, pelo próprio juiz que havia julgado a causa. O processo deverá ser obrigatoriamente resolvido em respeito ao que disse o STJ (art. 1.040 do CPC).

Assim, se ainda não houve sentença, o juiz deverá decidir aplicando a tese do repetitivo; se já houve sentença contrária à tese do repetitivo e houver recurso pendente de julgamento, esse recurso será, necessariamente, provido (ou desprovido, se a decisão recorrida tiver sido proferida em concordância à tese que o STJ adotar). 

Mas calma lá. E o que acontece se o STJ adotar uma tese que muda demais as regras do jogo? É o que vai acontecer, no caso do tema 1010, se prevalecer a tese das APPs de 30 a 500 metros. Essa tese vai ser aplicada a todos os processos. Vai ser preciso destruir todos os prédios?

Exatamente para evitar esse tipo de situação caótica é que se espera que o STJ, em caso de decisão desfavorável, module os efeitos do julgamento, determinando que a nova faixa de APP seja aplicável apenas às futuras construções (art. 927, § 3º, do CPC). 

Assim, evita-se o caos, protegendo aquelas cidades que foram historicamente construídas às margens de rios e resguardando, também, empreendimentos em fase de construção ou já licenciados.


Por fim, muita atenção: é preciso ter muito cuidado para assegurar que a tese do repetitivo está sendo corretamente aplicada a cada caso concreto. Se ocorrer equívoco por parte do juiz, aplicando indevidamente a tese jurídica a um caso que é diferente da situação resolvida pelo STJ, é obrigação da parte interessada diferenciar o seu caso individual daquele julgado no recurso repetitivo.

  1. E se meu processo já tiver terminado?

Esse ponto é bastante delicado. Quem já foi prejudicado por uma decisão desfavorável em ação que já transitou em julgado (ou seja, já não há mais recurso cabível) não terá sua situação modificada pelo julgamento do tema 1010. É que a tese firmada no recurso repetitivo só se aplica aos casos ainda pendentes de julgamento

Para quem ainda estiver disposto a brigar, porém, vale pensar no ajuizamento de uma ação rescisória – uma ferramenta jurídica que permite, em casos excepcionalíssimos, a reabertura de processos que já estão encerrados. 


Mas a chance da admissão de uma ação rescisória nesse caso é baixa. O STJ entende que, se ainda havia discussão sobre o assunto na jurisprudência quando a decisão foi proferida, não se pode dizer que o juiz que julgou o caso tenha errado, mesmo que a decisão atacada pela rescisória contrarie a tese que o STJ adotou, posteriormente, ao julgar o recurso repetitivo (essa é a lógica da Súmula 343 do STF).

Por isso, o ajuizamento de ação rescisória deve ser pensado muito estrategicamente, porque é uma ação com custo elevado. 

  1. E as ações que vierem no futuro?

A decisão que resulta do julgamento de um recurso repetitivo vincula os juízes no futuro. Assim, se novas ações forem movidas para tentar rediscutir a matéria que já está consolidada, elas podem ser julgadas improcedentes logo no início, antes mesmo da citação do réu (art. 332, II, do CPC).

Como se vê, assim, o julgamento do recurso repetitivo pelo STJ é só o começo. Para as partes interessadas ainda é preciso muita atenção.

Por Pedro Henrique Reschke

Publicado em: 10/11/2020

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