A correta delimitação da Área de Influência na Avaliação de Impacto Ambiental

Livro: O Setor Elétrico e o Meio Ambiente

Capítulo: Avaliações Ambientais

A correta delimitação da área de influência na avaliação de impacto ambiental

Marcos André Bruxel Saes (*)
Saes Advogados                                                                                
ABRAPCH

Gleyse Gulin
Saes Advogados
ABRAPCH                                                          

Beatriz Campos Kowalski
Saes Advogados
ABRAPCH

RESUMO 

Dedica-se o presente trabalho ao estudo da Avaliação de Impacto Ambiental, instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938/81) e fundamental para o atingimento do objetivo de desenvolvimento sustentável, e sua correlação para com a delimitação da área de influência abrangida em estudos apresentados no âmbito de processos de licenciamento ambiental. Nesse espectro, o mote deste estudo, além de analisar o importantíssimo instituto em que consistem as áreas de influência nos estudos e processos de licenciamento ambiental, é de expor os problemas que podem ocorrer se a delimitação de tais áreas for realizada de forma inadequada. O artigo apresenta também uma digressão histórica da Avaliação de Impacto Ambiental, desde seus primórdios no século passado até os dias atuais. Em suma, espera-se que este trabalho contribua ativamente com as discussões já travadas sobre o tema, objetivando, além de direcionamento, contribuir para o aprimoramento das metodologias de aplicação desse instituto. 

PALAVRAS-CHAVE

Licenciamento ambiental, Área de Influência, Avaliação de Impacto Ambiental, Desenvolvimento sustentável.

SUMÁRIO EXECUTIVO

1.0 – INTRODUÇÃO 2

2.0 – AVALIAÇÃO DE IMPACTO AMBIENTAL COMO INSTRUMENTO PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: BREVE HISTÓRICO 2

3.0 – AVALIAÇÃO DE IMPACTO AMBIENTAL NO BOJO DO LICENCIAMENTO 5

4.0 – O INSTITUTO DAS ÁREAS DE INFLUÊNCIA 7

5.0 – A IMPRESCINDIBILIDADE DA CORRETA E TÉCNICA DELIMITAÇÃO DAS ÁREAS DE INFLUÊNCIA EM ESTUDOS AMBIENTAIS 9

6.0 – CONCLUSÃO 12

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 12

1.0 – INTRODUÇÃO

Nada obstante elemento essencial para a correta avaliação de impactos e definição de medidas mitigatórias e compensatórias de empreendimentos sujeitos a licenciamento ambiental, a delimitação da área de influência em estudos de avaliação de impacto ambiental é tema ainda pouco discutido pela doutrina especializada, focada muito mais na importância da avaliação do que propriamente em como ou o que se deve avaliar.

Se na mensuração do alcance e magnitude dos impactos diretos e indiretos de determinada atividade ou empreendimento reside o núcleo do estudo de sua viabilidade, fundamental compreender e aplicar corretamente os critérios para delimitação da área onde se deverá avaliar e mensurar os impactos ambientais oriundos do projeto ou atividade que se pretende desenvolver.

Sob esse prisma, investigando as bases da avaliação de impacto ambiental (AIA) no país, inicia-se o artigo com breve digressão histórica, seguida de análise acerca de sua incidência no bojo dos processos de licenciamento ambiental.

Sedimentadas estas premissas, adentra-se, então, no estudo das áreas de influência, divididas em área diretamente afetada, de influência direta e de influência indireta, cuja delimitação demanda maturação contínua frente aos impactos do projeto no cenário em que inserido. Por fim, ingressa-se no propósito central da narrativa em tela, consistente na importância da correta e delimitação dessas áreas em um estudo ambiental, que tem o condão de evitar as nefastas consequências de seu sub ou super dimensionamento. Demonstra-se, então, que o critério deve ser técnico e científico, para que seja correto.

2.0 – AVALIAÇÃO DE IMPACTO AMBIENTAL COMO INSTRUMENTO PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: BREVE HISTÓRICO

Muito embora usualmente associada a alterações negativas, o “impacto ambiental” engloba modificações do meio ambiente tanto positivas como negativas advindas da instalação e operação de uma dada atividade ou empreendimento, em comparação com seu status quo ante.

A definição de “impacto ambiental” aportada pela norma ABNT NBR ISO 14.001: 2015, referência na definição de Sistemas de Gestão Ambiental (SGA), alude justamente ao seu caráter duplo, conceituando-o como a “modificação no meio ambiente, tanto adversa como benéfica, total ou parcialmente resultante dos aspectos ambientais de uma organização” (item 3.2.4 da norma).

Alterando a qualidade ambiental através de processos naturais ou sociais (SÁNCHEZ, 2008, p. 32), pode hoje parecer óbvia a necessidade de se avaliar referidos impactos ao meio ambiente para verificar a pertinência, ou não, de determinada atividade humana.

Todavia, formalmente, a chamada Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) foi apenas introduzida na literatura ambiental a partir da vigência, em 1970, da Política Nacional de Meio Ambiente Americana – National Environmental Policy Act (NEPA).

Paulo de Bessa Antunes (2013, p. 81) assim discorre sobre a iniciativa americana:

A lei determinou os objetivos e os princípios da política ambiental americana e ordenou que todas as propostas de legislação, ações e projetos de responsabilidade do Governo Federal que afetassem significativamente a qualidade do meio ambiente humano incluíssem uma declaração detalhada, contendo: o impacto ambiental da ação proposta; os efeitos ambientais adversos que não poderiam ser evitados; as alternativas da ação; a relação entre os usos do meio ambiente a curto prazo e a manutenção e a melhoria da sua produtividade a longo prazo; qualquer comprometimento irreversível ou irrecuperável dos recursos ambientais a ser efetivado, caso a proposta fosse ser implantada (Moreira, 1985). (grifou-se)

No mesmo sentido, Pereira e Winckler (2008) lecionam que a AIA era tida naquela ocasião como um instrumento de planejamento ambiental consistente em uma “declaração detalhada” sobre os impactos ambientais de iniciativa do governo americano. A referida declaração se assemelhava ao atual estudo de impacto ambiental, estudo previsto em diversos países, bem como constitucionalmente no Brasil (art. 225, §1º, IV, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988), para projetos de significativo impacto ambiental.

Na mesma época, quando da realização da Conferência Mundial de Meio Ambiente, sediada em Estocolmo, na Suécia, no ano 1972, despontava o conceito de desenvolvimento sustentável (sustainable development), expressão da crescente conscientização ambiental que o mundo a partir daquela década.

Conforme exalta Nico Schrijver (2010, p. 10, tradução livre), a Conferência de Estocolmo definiu um compromisso: proteção ambiental e desenvolvimento econômico devem caminhar juntos a despeito dos diferentes problemas ambientais de países em desenvolvimento e industrializados. Desde então, passou-se a reconhecer que crescimento econômico é indispensável e uma importante ferramenta do desenvolvimento sustentável, mas apenas depois de levar em consideração as demandas ambientais e o uso sustentável dos recursos naturais.

O conceito de desenvolvimento sustentável foi mais tarde consagrado no relatório Nosso Futuro Comum (Our Common Future), publicado em 1987 pela World Commission on Environment and Development (Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento – CMMAD), chefiada pela Primeira Ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland.

O Relatório Brundtland, como ficou conhecido, definiu desenvolvimento sustentável como aquele “que satisfaz as necessidades do presente, sem comprometer a capacidade das gerações vindouras satisfazerem as suas próprias necessidades”.

Ao legislador constituinte não passou despercebida a essencial necessidade de aliar desenvolvimento e preservação, exaltando o art. 225 da Carta Magna o princípio do desenvolvimento sustentável ao garantir a todos o “direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações”.

Ainda à Constituição Federal, merece destaque o art. 170, a expressamente prever que “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”, observando-se, dentre outros princípios, a propriedade privada (inciso II), a função social da propriedade (inciso III) e a defesa do meio ambiente, “inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação” (inciso VI).

Sob esse prisma, Celso Antonio Pacheco Fiorillo e Marcelo Abelha Rodrigues (1996, p. 86-87) ponderam:

Mais uma vez, percebe-se que a nossa Constituição, de cunho inegavelmente progressista, caminhou para adotar a nova ótica do desenvolvimento: o desenvolvimento sustentado. Outro não poderia ser o entendimento da análise do art. 225, que repete o conceito de desenvolvimento sustentado (…). Ademais, poderíamos dizer que também esteve presente tal conceito, para não dizer política desenvolvimentista, no próprio art. 170 da CF/88, ao estabelecer que a ordem econômica, fundada na livre iniciativa (sistema de produção capitalista) e valorização do trabalho humano (limite ao capitalismo selvagem) deverá reger-se pelos ditames de justiça social, devendo, para tanto, seguir alguns princípios, dentre eles o contido no inciso VI: a defesa do meio ambiente. Ora, se assim foi elencado pelo legislador constituinte, ou seja, livre concorrência e defesa do meio ambiente caminhando lado a lado para o alcance da ordem econômica voltada para a justiça social, é porque esses princípios, em última análise, convergem para um mesmo objetivo. Acentua-se, aí, a adoção ao desenvolvimento sustentado, com o fim de preservar o hoje e o amanhã (gerações futuras).

Questiona-se, assim, nas palavras de Luiz Alberto David Araújo (1992, p. 67): “a inserção deste princípio significa que nenhuma indústria que venha a deteriorar o meio ambiente pode ser instalada?” A resposta, completa o autor, é negativa. Isto porque, “a eficácia da norma consiste em fixar uma interpretação que leve à proteção ao meio ambiente. Todo o esforço da ordem econômica deve ser voltado para a proteção do meio ambiente, ao lado de outros valores citados no art. 170, em seus incisos”.

Tratando do tema, lembra ainda Ronaldo Seroa da Motta (1997, p. 4):

O conceito de desenvolvimento sustentável embora possa ter inúmeras descrições e sua utilização nos meios de comunicação geralmente ocorrer em contextos vagos, é possível ser discutido objetivamente da mesma forma que se discute a sustentabilidade do crescimento econômico quando se considera a importância de manterem-se não-declinantes os valores dos ativos de uma economia. Isto é, a sustentabilidade de uma economia ocorre na medida em que o seu estoque de capital, que define o fluxo de bens e serviços futuros, seja mantido pelo menos constante. A questão atual da sustentabilidade apenas introduz a necessidade de tratar-se o capital natural diferenciadamente do capital material. Uma diferenciação com semelhante corte teórico e metodológico ao daquela que introduziu a teoria do capital humano e tecnológico nestes mesmos modelos. Entretanto, enquanto as formas de capital material podem ser reproduzidas via crescimento do produto, o capital natural tende a decrescer e impor restrições ao crescimento futuro criando consequentemente condições de não-sustentabilidade ao crescimento ou ao bem-estar de gerações futuras.

Como se vê, compatibilizar significa que a política ambiental não pode obstar o desenvolvimento, mas sim constituir um de seus instrumentos basilares, ao propiciar a gestão racional dos recursos naturais junto aos quais se funda todo o progresso humano (MILARÉ, 2014).

Refletindo a mudança de paradigma internacional, em 1980, a AIA foi introduzida no ordenamento jurídico pátrio a partir da Lei n. 6.803, de 02 de julho de 1980, que dispõe sobre as diretrizes básicas para o zoneamento nas áreas críticas de poluição. Ao diploma, ainda tímido no trato da matéria, previu-se que a implantação de zonas de uso estritamente industrial que se destinem à localização de pólos petroquímicos, cloroquímicos, carboquímicos, bem como a instalações nucleares e outras definidas em lei dependeria, além dos estudos normalmente exigíveis para o estabelecimento de zoneamento urbano, de prévios “estudos especiais de alternativas e de avaliações de impacto, que permitam estabelecer a confiabilidade da solução a ser adotada” (art. 10, § 3o).

No ano seguinte, em 31 de agosto de 1981, foi enfim instituída a Política Nacional do Meio Ambiente, por meio da Lei n. 6.938, com objetivo principal de preservar, melhorar e recuperar “a qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar no país, condições de desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana”.

A AIA passou, então, a integrar a lista de instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente (art. 9º, III, da Lei n. 6.938/81). Contudo, apenas com a aprovação do Decreto n. 88.351/1983, posteriormente substituído pelo Decreto n. 99.274/1990, a ferramenta se tornou vinculada ao licenciamento ambiental, contribuindo para alcançar a máxima do desenvolvimento sustentável.

3.0 – AVALIAÇÃO DE IMPACTO AMBIENTAL NO BOJO DO LICENCIAMENTO

De acordo com o art. 9º, inciso III da Lei Federal n. 6.938/1981, a avaliação de impactos ambientais é um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), tratando-se de um “importante método de gestão e política ambiental, que tem por finalidade inocultável evitar danos e ilícitos contra o meio ambiente, dando rendimento aos princípios da prevenção e da precaução” (RODRIGUES, 2013, p. 602). A mesma PNMA exalta, em seu art. 4º, I, a necessária compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico, alinhando-se à ideia de desenvolvimento sustentável.

As diretrizes para a avaliação de impacto ambiental no Brasil despontaram efetivamente com a Resolução n. 01/1986 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), estabelecendo a orientação básica para a realização de um estudo de impacto ambiental.

Avalia Marcelo Abelha Rodrigues (2013, p. 603-604), entretanto, que, já no ano de 1972, teria o país presenciado verdadeira avaliação de impactos ambientais:

A primeira vez que se realizou uma avaliação de impactos no Brasil foi no ano de 1972, quando o país recebeu financiamento do Banco Mundial para a construção da barragem e da hidrelétrica de Sobradinho. Os estudos ambientais, contudo, eram feitos por técnicos estrangeiros e se davam muito mais por uma exigência do Banco Mundial do que propriamente por técnica de gestão ambiental brasileira. Diga-se, aliás, que a avaliação não condicionava ou criava qualquer vínculo em relação à realização do empreendimento. E assim ocorreu com muitos projetos financiados pelo Banco Mundial no país.

A Resolução n. 01/86 em referência provocou uma inovação no instituto da avaliação de impacto ambiental, tornando-a prática através da realização do Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA) e do respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), posteriormente acolhidos pela Constituição Federal de 1988. Como bem pontua Sánchez (2008, p. 103):

De um modo geral, a Resolução CONAMA 1/86 aborda todos os componentes principais do processo de AIA em indubitavelmente, permite a aplicação imediata da avaliação de impactos pelos órgãos ambientais estaduais, os principais encarregados de colocá-la em prática. É claro que inúmeras dificuldades surgiriam com a prática, mas a experiência então acumulada, os erros e acertos, permitiriam aperfeiçoá-la.

Desde então, muito se evoluiu na prática da avaliação de impacto ambiental, hoje conceituada nas palavras de Paulo de Bessa Antunes (2013, p. 85), como:

uma metodologia, ou seja, um estudo sistemático dentro do qual são definidos certos métodos que são operacionalizados com o uso de técnicas. Os métodos e as técnicas de AIA são, então, mecanismos estruturados para coletar, analisar, comparar e organizar informações e dados sobre impactos ambientais de um projeto, incluindo os meios de comunicação para apresentar as informações visuais e escritas. Existem, também, as técnicas utilizadas na fase de predição para medir as condições futuras dos fatores e parâmetros ambientais específicos modelos matemáticos, físicos, análises estatísticas, etc.

Outrossim, oportuna a referência à conceituação disposta ao clássico Vocabulário básico de meio ambiente (1990, p.33), pelo qual consiste a AIA em instrumento de política ambiental, 

formado por um conjunto de procedimentos capaz de assegurar, desde o início do processo, que se faça um exame sistemático dos impactos ambientais de uma ação proposta (projeto, programa, plano ou política) e de suas alternativas, e que os resultados sejam apresentados de forma adequada ao público e aos responsáveis pela tomada de decisão, e por eles considerados. Além disso os referidos estudos subsidiarão os órgãos ambientais competentes para a análise dos requerimentos de licença ambiental.

A AIA possui relação umbilical com o licenciamento ambiental. No Brasil, todas as atividades ou empreendimentos potencialmente causadores de significativa degradação do meio ambiente, por força da própria Constituição da República (art. 225, § 1º, inciso IV), devem realizar estudo prévio de impacto ambiental, o qual é apresentado no bojo de um processo administrativo de licenciamento ambiental a ser conduzido pelo órgão ambiental licenciador competente.

No que tange ao intenso vínculo entre AIA e licenciamento ambiental, Luis Enrique Sánchez (1996, p. 139) assevera que “devido a este forte vínculo, o papel da AIA é visto como restringindo-se essencialmente ao de um instrumento de ajuda à decisão, precisamente aquela de autorizar ou não a realização de um empreendimento”.

Tratando da AIA no contexto do licenciamento ambiental, Milaré (2014, p. 752) a destaca como requisito de absoluta necessidade, enquanto:

uma avaliação técnica e prévia (vale dizer, a priori e não a posteriori) dos riscos e danos potenciais que determinado empreendimento ou ação pode causar às características essenciais do meio, seus recursos e seu equilíbrio ecológico. É escusado dizer que posteriormente (a posteriori) se poderá aferir os resultados positivos ou negativos que o empreendimento ou a ação tiverem deixado no meio ambiente.

A avaliação de impacto ambiental, nesse sentir, não se esvai no EIA/RIMA, o qual é apenas a modalidade mais complexa do gênero (THOMÉ, 2013), que pode se desdobrar em outras categorias, a exemplo do Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), do Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD) e do Relatório Ambiental Preliminar (RAP).

A avaliação de impactos ambientais pode ainda se manifestar na esfera mais ampla do planejamento ambiental, quando o processo se subsume à Avaliação Ambiental Estratégica (AAE), que não se limita aos impactos ou efeitos nocivos a um determinado ambiente, mas, sim, “de uma escolha ou decisão necessária à formulação de uma política de governo que se preocupe em determinar, com acerto, área geográfica e tempo para implantar um programa ou projeto de desenvolvimento, como estratégia política, econômica e social” (MILARÉ, 2014, p. 752). Em síntese, continua o mestre Édis Milaré, “a AIA encontra-se na esfera do Licenciamento Ambiental, ao passo que a AAE está na seara do Planejamento Ambiental”.

Retornando à debatida aplicação da avaliação de impacto ambiental no bojo do licenciamento de empreendimentos e atividades, determinou a citada Resolução CONAMA n. 01/86 competir ao estudo de impacto ambiental, além de atender à legislação, em especial aos princípios e objetivos expressos na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, obedecer às seguintes diretrizes gerais: i) contemplar todas as alternativas tecnológicas e de localização do projeto, confrontando-as com a hipótese de não execução do projeto; ii) Identificar e avaliar sistematicamente os impactos ambientais gerados nas fases de implantação e operação da atividade; iii) definir os limites da área geográfica a ser direta ou indiretamente afetada pelos impactos, denominada área de influência do projeto, considerando, em todos os casos, a bacia hidrográfica na qual se localiza; e iv) considerar os planos e programas governamentais, propostos e em implantação na área de influência do projeto, e sua compatibilidade.

Partindo destas premissas, deverá o estudo de impacto ambiental desenvolver o diagnóstico ambiental da área de influência do projeto, mediante a completa descrição e análise dos recursos ambientais e suas interações, tal como existem, de modo a caracterizar a situação ambiental da área, antes da implantação do projeto, considerando os meios físico, biológico e socioeconômico. 

Para cada meio, serão analisados os impactos ambientais do projeto e de suas alternativas, através de identificação, previsão da magnitude e interpretação da importância dos prováveis impactos relevantes, discriminando: os impactos positivos e negativos (benéficos e adversos), diretos e indiretos, imediatos e a médio e longo prazos, temporários e permanentes; seu grau de reversibilidade; suas propriedades cumulativas e sinérgicas; a distribuição dos ônus e benefícios sociais. Elencados os impactos, devem ser então propostas medidas mitigadoras para aqueles negativos, entre elas os equipamentos de controle e sistemas de tratamento de despejos, avaliando a eficiência de cada uma delas, além dos programas de acompanhamento e monitoramento dos impactos positivos e negativos, indicando os fatores e parâmetros a serem considerados.

Nesse contexto, para a correta avaliação dos impactos de um empreendimento no curso do licenciamento revela-se primordial a correta delimitação das áreas de influência do projeto, distinguidas, no interior da área de estudo, entre área diretamente afetada (ADA), área de influência direta (AID) e área de influência indireta (AII).

4.0 – O INSTITUTO DAS ÁREAS DE INFLUÊNCIA

Uma avaliação de impacto ambiental necessita ser elaborada de forma extremamente balizada e técnica, sob pena de acarretar em impreciso conhecimento a respeito dos impactos que determinado empreendimento possivelmente causará quando efetivamente implantado, subestimando ou superestimando seus efeitos.

Nesse sentido, é imprescindível que uma AIA seja calcada em aprofundados estudos realizados por equipes multidisciplinares, bem como que consiga compreender e analisar todas as minúcias e peculiaridades do projeto a ser licenciado.

Nessa senda, bastante pertinentes são os ensinamentos de Paulo de Bessa Antunes (2013, p. 80-81):

A elaboração de uma AIA é apoiada em estudos ambientais elaborados por equipes multidisciplinares, os quais apresentam diagnósticos, descrições, análises e avaliações sobre os impactos ambientais efetivos e potenciais do projeto. De acordo com a fase e a dimensão do empreendimento, a AIA adequada é utilizada (Antunes, 2012). Assim, não existe uma avaliação ambiental padrão para todo e qualquer empreendimento. A AIA é sempre uma função do que se pretende avaliar. (grifos acrescidos)

Como se sabe, um instituto importantíssimo no âmbito de uma AIA consiste nas áreas de influência, sem as quais inequivocamente não é possível se conceber a extensão e a especificidade dos impactos ambientais a serem causados em virtude da implantação de uma obra. 

A área de influência, importante deixar registrado, não se confunde com a mais ampla “área de estudo”, definida antes do início dos trabalhos e correspondente ao sítio alvo dos diversos levantamentos. Esse ocorrerão tanto através de dados primários quanto secundários, sendo sua delimitação, além de derivada do tipo de estudo e grau de detalhamento esperado, passível de – usual e inclusive esperada – adaptação no decorrer da efetiva empreitada, conforme vislumbrar a equipe técnica a real abrangência dos impactos.

No âmbito da mutável área de estudo, distinguem-se as áreas que se convencionou chamar no meio de diretamente afetada (ADA), de influência direta (AID) e de influência indireta (AII). 

A ADA corresponde àquela de fato ocupada pela planta objeto de avaliação de impacto ambiental, local que será objeto de intervenção, com a implantação do empreendimento e de suas estruturas auxiliares, incluindo atividades de aterro, supressão de vegetação, dentre outras.

A AID e a AII, situadas no entorno da ADA, são as áreas em que os impactos do empreendimento poderão se manifestar direta ou indiretamente – com maior ou menor significância -, sentindo as consequências ambientais da construção, instalação, ampliação e operação de atividades ou empreendimentos.

Um mesmo projeto pode deter diferentes áreas de influência para cada meio analisado, primando-se, em todos os casos, pela delimitação que melhor permita a avaliação dos impactos. Por sofrer diretamente os impactos do empreendimento, é na AID onde são os estudos focados com maior preponderância, inclusive em muitos casos através da coleta de dados primários para embasar análises complexas como o EIA/RIMA.

Alvo de necessário processo de construção conjunta do saber, a área de influência apenas poderá ser definida com firmeza após a conclusão dos estudos, findas as modelagens e a coleta de dados e informações, em processo cíclico de apuração de impactos.

Não se olvida ainda que, até o advento da Lei Complementar n. 140/2011, era a competência para o licenciamento ambiental fixada, além de outros critérios, de acordo com a abrangência dos impactos do empreendimento. De acordo com Sánchez (2008, p. 285):

É somente depois da previsão de impactos que se pode tirar alguma conclusão sobre a área de influência do projeto. Se esta é a área geográfica na qual são detectáveis os impactos de um projeto, então ela não poderá ser estabelecida de antemão (antes de se iniciarem os estudos), exceto como hipótese a ser verificada. Assim, uma modelagem da qualidade do ar ou da propagação de ruídos poderá dizer até onde se fazem sentir os efeitos do projeto, o que vem a ser sua área de influência para fins de avaliação de impacto ambiental (o que também é uma hipótese). Se o projeto for implantado, é o monitoramento ambiental que estabelecerá sua real área de influência, desde que o programa de monitoramento que estabelecerá sua real área de influência, desde que o programa de monitoramento seja capaz de discernir as modificações causadas por ele daquelas que têm outras causas.

Outrossim, como aponta referido estudioso, “a área de influência é uma das conclusões da análise dos impactos. A análise dos impactos identifica, prevê a magnitude e avalia a importância dos impactos decorrentes da proposta em estudo” (SÁNCHEZ, 2008, p. 286).

De acordo com o art. 4º da Resolução CONAMA n. 237/1997, era o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) competente pela condução do licenciamento ambiental “de empreendimentos e atividades com significativo impacto ambiental de âmbito nacional ou regional”, incluindo aqueles “cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites territoriais do País ou de um ou mais Estados” (inciso III). Do mesmo modo, competia aos Estados licenciar atividades “cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites territoriais de um ou mais Municípios” (art. 5o, III).

Ao longo dos anos de aplicação, no entanto, o critério focado na abrangência dos impactos revelou-se inapropriado, considerando a fase muito inicial em que se encontravam os projetos quando da inicial definição do ente licenciador. Com efeito, sequer realizados os estudos, não se mostrava possível averiguar com maior cautela e certeza a amplitude dos impactos do empreendimento ou atividade em análise, prometendo-se licenciamento a determinado ente com base em suposições que, por vezes, revelavam-se inadequadas. 

Sob esse prisma, através da Lei Complementar n. 140/2011 foram enfim fixadas as normas para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios no que concerne à definição da competência para a condução do licenciamento ambiental e, com o advento dela, adotou-se nova orientação. 

Visando a afastar as dificuldades e entraves da normativa anterior, passou-se a estabelecer objetivamente as hipóteses de competência de cada ente federativo, elencadas nos arts. 7º, 8º e 9º do diploma. No lugar dos impactos, a localização tornou a exercer papel central para a definição da atribuição de cada ente federado, superando a confusa controvérsia acerca da abrangência dos impactos como critério primordial na definição de competência. Além da localização, regulamentando o disposto no art. 7º, caput, inciso XIV, alínea “h”, e parágrafo único, da Lei Complementar n. 140, o recente Decreto n. 8.437/2015 estabeleceu as tipologias de empreendimentos e atividades cujo licenciamento ambiental será de competência da União, com ênfase em critérios objetivos como o volume de carga a ser movimentada em terminais portuários.

Nesse contexto, a Orientação Jurídico Normativa (OJN) n. 43/2012 da Procuradoria Federal Especializada junto ao IBAMA (PFE/IBAMA) entende ter havido “a revogação, por incompatibilidade com a Lei Complementar que lhe é superior, do critério genérico definido no caput do art. 4º da Resolução Conama n. 237/1997”.

O afastamento do critério “abrangência dos impactos” da definição do órgão licenciador não teve por intuito menosprezar a avaliação de impacto ambiental e a delimitação das áreas de influência, mas justamente refletir que, enquanto etapas concomitantes no contexto dos densos estudos ambientais, não se mostra sensato antecipar conclusão no tema para a inicial fixação da competência licenciatória, o que apenas acarretava celeumas e situações inusitadas, como o licenciamento simultâneo por três entes federativos, caso do conhecido Rodoanel de São Paulo.

Desse modo, exercendo papel fundamental para o correto dimensionamento dos impactos, envereda o presente trabalho ao debate acerca da delimitação das áreas de influência em estudos ambientais.

5.0 – A IMPRESCINDIBILIDADE DA CORRETA E TÉCNICA DELIMITAÇÃO DAS ÁREAS DE INFLUÊNCIA EM ESTUDOS AMBIENTAIS

Após a explanação sobre o instituto das áreas de influência, faz-se muito pertinente tratar da importância da correta e técnica delimitação dessas áreas em um estudo ambiental.

A definição da área diretamente afetada (ADA), área de influência direta (AID) e área de influência indireta (AII) é imprescindível para que se conceba, de fato, a extensão dos impactos causados por determinado empreendimento, e, com isso, estabeleça-se as pertinentes medidas mitigadoras, compensatórias e de controle e condicionantes ambientais a serem cumpridas pelo empreendedor e fiscalizadas pelo Poder Público.

Trata-se, todavia, de árduo encargo, como bem ressalta Paulo de Bessa Antunes (2014, p. 628-629):

a definição da área de influência é uma das tarefas mais inglórias em matéria de estudos ambientais. A enorme inter-relação entre todos os componentes da biosfera faz com que muitos atos praticados localmente possam repercutir globalmente. […]. Obviamente que a resolução  não pretende o impossível, mas apenas e tão somente que se faça um estudo cientificamente sério e dentro de limites razoáveis.

Assim, caso as áreas de influência sejam delimitadas de forma inadequada, não sendo calcadas em suficientes subsídios técnicos e balizados estudos, todas as medidas de prevenção e controle a serem definidas pelo órgão licenciador durante o licenciamento ambiental podem ser estipuladas com base em premissas errôneas, o que pode culminar tanto em dispêndios desnecessários ao empreendedor quanto em insuficiente preservação ambiental.

A definição das áreas de influência deve considerar ainda todas as peculiaridades do empreendimento que se pretende implantar, bem como as vicissitudes da região em que inserido. Desta forma, obras idênticas a serem construídas em áreas diferentes podem resultar em drásticas discrepâncias quanto à demarcação das áreas de influência. Na mesma linha, a instalação de diferentes empreendimentos na mesma região não significa que as áreas de influência serão delimitadas de forma semelhante.

Desta feita, é deficitária toda avaliação de impacto ambiental que não analisa profundamente as características específicas do projeto licenciado (levantamento e análise dos impactos que independem do local da obra, como emissões atmosféricas, ruídos, geração de resíduos sólidos) e da macrorregião em que o empreendimento se encontra (levantamento e análise dos impactos relacionados ao local da obra, como supressão de vegetação, interferência em Unidades de Conservação, intervenção quanto aos espécimes da fauna e flora locais). 

Somente uma AIA que leve em conta todos os impactos a serem causados pelo projeto, de forma cumulativa e sinérgica em relação às atividades já desenvolvidas na região, resultará em uma adequada delimitação das áreas de influência.

Assim posto, a área de influência corresponde às limitações geográficas associadas ao alcance dos impactos diretos e indiretos decorrentes da instalação e operação de uma atividade ou empreendimento. A formalização desses limites deve se dar de forma concomitante à elaboração do estudo de avaliação com a respectiva identificação dos impactos ambientalmente significativos, sendo que apenas os impactos significativos diagnosticados no decorrer dos estudos é que devem ser considerados quando da definição da área de influência de determinado projeto. 

Destarte, especificamente quanto à definição das áreas de influência de um empreendimento, uma questão muito importante que se precisa ter em mente é que a estipulação dessas áreas devem ser calcadas nos impactos ambientais do projeto, e não nos riscos. Com efeito, segundo Paulo Leme Affonso Machado (2014, p. 275):

a definição da área geográfica a ser estudada não fica ao arbítrio do órgão público ambiental, do proponente do projeto ou da equipe multidisciplinar. A possibilidade de se registrarem impactos significativos, que vai delimitar a área chamada de influência do projeto

Impactos ambientais têm sua ocorrência diagnosticada antes da implantação da obra, sendo, portanto, previsíveis. Por exemplo, sabe-se que um dos impactos da construção de uma usina hidrelétrica será quanto à interferência na fauna aquática da bacia hidrográfica em que está inserida. Já os riscos, apesar da possibilidade de prévio estudo sobre as possibilidades de acontecimento (que não tem como ser exaustivo, dada a probabilidade de ocorrência de força maior, como uma catástrofe natural), têm sua ocorrência imprevisível.

O professor Luis Enrique Sánchez (2008, p. 314) leciona o seguinte sobre os chamados riscos ambientais:

Muitos dos impactos negativos considerados na avaliação de impacto ambiental somente se manifestam em caso de funcionamento anormal do empreendimento analisado. Por exemplo, durante a operação de um duto de petróleo, não se espera que os cursos d‘água atravessados venham a ser poluídos com o produto transportado, e o aspecto ambiental “emissão de óleo” normalmente não faz parte dos problemas identificados. No entanto, se o duto se romper, o petróleo poderá contaminar o solo e os recursos hídricos superficiais e subterrâneos, sendo pertinente identificar o aspecto ambiental “risco de vazamento de petróleo”. De modo análogo, se a barreira impermeável instalada na base de um aterro de resíduos sólidos apresentar problemas, a água subterrânea poderá ser poluída, mas, se a barreira funcionar adequadamente, não se esperam problemas com a qualidade das águas.

Ora, a delimitação das áreas de influência de um projeto tem de levar em conta somente os impactos, e não os riscos ambientais atinentes ao empreendimento, porque a possibilidade de ocorrência destes (e, na ocorrência, da extensão) são demasiadamente abstratas, imprevisíveis e incompatíveis com os fundamentais parâmetros objetivos e claros que se deve perquirir no tema.

Erro muito comum na análise e crítica a estudos ambientais e definições de áreas de influência se dá pela confusão desses dois institutos que são absolutamente distintos. Enquanto impacto, como já dito, é algo que ocorrerá com a implantação do projeto (emissões atmosféricas, por exemplo), risco é algo que pode ocorrer se algo der errado (vazamento de óleo, é um exemplo). Impacto ocorrerá, e por isso necessita de uma medida mitigadora ou compensatória e deve ser levado em consideração como critério definidor das áreas de influência.. Risco poderá ocorrer, por isso necessita de medidas de controle e não deve ser levado em consideração para a definição das áreas de influência.

Caso se entenda que os riscos ambientais devem ser levados em conta quanto à definição das áreas de influência, a necessária tecnicidade deste segmento dos estudos ambientais restaria prejudicada. É inviável, do ponto de vista técnico e científico (e também econômico, já que o empreendedor financia os estudos) que se defina como objeto de estudo das áreas de influência todas as regiões que podem ser afetadas – até indiretamente – em caso de acontecimento de um risco ambiental (que, após ocorrido, deixa de ser risco e torna-se dano). Por isso, de fato a demarcação das áreas de influência deve levar em conta somente os impactos ambientais atinentes à atividade ou empreendimento proposto, sob pena de inviabilizar tecnicamente o relevante componente dos estudos ambientais em que consistem as áreas de influência.

Com efeito, um dos problemas advindos de uma falha definição das áreas submetidas à influência da obra licenciada é concernente à participação dos órgãos intervenientes (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, Fundação Nacional do Índio – FUNAI, Fundação Cultural Palmares – FCP, Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio) nos processos administrativos de licenciamento ambiental.

Em relação aos órgãos intervenientes, é bastante oportuno trazer à tona conclusão da lavra de Édis Milaré (2014, p. 819):

Em razão da complexidade que norteia o licenciamento ambiental, e diante da incontornável possibilidade de os projetos incidirem na esfera de interesses de outros entes da federação que não a do licenciador, como impactar bens protegidos e tutelados por órgãos específicos, tal processo exige a avaliação de outras esferas da federação, como também de órgãos especializados. É o que vimos chamando de “órgãos intervenientes”, que emitem pareceres e, por vezes, autorizações no processo de licenciamento.

A alhures referida Lei Complementar n. 140/2011 dispõe em seu art. 13, § 1º, que “os demais entes federativos interessados (intervenientes) podem manifestar-se ao órgão responsável pela licença ou autorização, de maneira não vinculante, respeitados os prazos e procedimentos do licenciamento ambiental”.

O importante vínculo entre a correta delimitação das áreas de influência de um empreendimento e a participação de órgãos intervenientes no processo administrativo de licenciamento ambiental dá-se porque, por vezes, o critério para a interveniência está fulcrado justamente na existência de bens acautelados por uma das entidades intervenientes nas áreas sob a influência da obra (como Unidades de Conservação, terras indígenas demarcadas, patrimônio cultural tombado ou quilombolas).

Como exemplo, a participação do órgão gestor de Unidades de Conservação (UC) como interveniente em processos de licenciamento ambiental, disposta no art. 36, § 3º, da Lei n. 9.985/2000 (que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza) e na Resolução CONAMA n. 428/2010, tem como um de seus critérios a possibilidade de impacto direto do empreendimento à Unidade de Conservação.

Assim, uma definição de área de influência direta (AID) mal elaborada pode ter como negativo reflexo um destes dois cenários: (i) se subestimada a AID, o órgão gestor da Unidade de Conservação poderá não participar como interveniente do licenciamento ambiental, o que, além de ir de encontro ao que preconiza a legislação, não atingirá o nível de diligência e zelo previsto na lei quanto à necessidade de discussão quanto aos impactos de empreendimentos aos espaços especialmente protegidos em que consistem as Unidades de Conservação; (ii) se superestimada a AID, pode o órgão gestor da UC participar como interveniente em um licenciamento ambiental de um projeto que, por suas características, prescindiria desta especial atenção do órgão gestor da UC, em completa contramão à eficiência administrativa e de modo a despender desnecessariamente a utilização de recursos públicos (mobilização do aparato estatal típicas da participação em processos de licenciamento ambiental, como realização de estudos e análises – inclusive periciais – e trabalho do quadro profissional) e aportes privados (eventuais estudos, planos e programas a serem elaborados e custeados pelo empreendedor em virtude dessa questão).

Além disso, cumpre tecer breves comentários quanto ao Projeto de Lei (PL) n. 3.729/2004, que, se aprovado e convertido em lei, instituirá a tão ansiada Lei Geral de Licenciamento Ambiental no Brasil. O art. 30, caput, da versão do PL datada de 29/08/2017 dispõe que:

Art. 30. A participação das autoridades envolvidas no licenciamento ambiental ocorrerá nas seguintes situações: 

I – Funai: quando na área de influência existir terra indígena delimitada ou área que tenha sido objeto de portaria de interdição expedida pela Funai em razão da localização de índios isolados; 

II – FCP: quando na área de influência existir terra quilombola reconhecida por Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) publicado; e 

III – IPHAN e autoridades responsáveis pelo patrimônio histórico e cultural: quando na área de influência existirem bens culturais formalmente acautelados. 

IV – órgãos executores do Sistema Nacional de Unidades de Conservação: quando o empreendimento ou atividade afetar unidade de conservação específica ou sua zona de amortecimento; (grifos acrescidos)

Isto é, a vinculação entre a área de influência e a participação de órgãos intervenientes em processos de licenciamento ambiental é tratada com maior esmero no PL do que na legislação atual, que não contém dispositivos que tratem o tema de forma geral e com aplicabilidade estendida ao rito de licenciamento de órgãos ambientais de todas as entidades federativas.

De todo modo, não há como se escusar de mencionar a imprecisão do art. 30 acima explicitado, que, ao contemplar apenas a expressão “área de influência” fomenta a problemática e deixa margem para interpretações expansivas de que a área de influência indireta (AII) também estaria englobada nessa definição legal. Isso resultaria praticamente na banalização da participação dos órgãos intervenientes em processos de licenciamento ambiental, o que, além de tudo, seria impraticável, considerando-se as próprias limitações administrativas dos órgãos e o efetivo intuito da participação excepcional. Parece-nos claro que os estudos mais detidos (dados primários), a definição da necessidade de participação dos intervenientes, a necessidade de medidas mitigadoras e compensatórias e os planos e programas ambientais devem estar pautados nos impactos diretos e não nos indiretos. Por decorrência lógica, a delimitação da área de influência a ser utilizada para esses fins deve levar em consideração os impactos diretos, restando para a área de impactos indiretos um tratamento não menos importante, mas sim corretamente dimensionado.

Vícios na delimitação da área influenciada pelo projeto importam na equivocada definição de condicionantes ambientais, programas e medidas mitigatórias e compensatórias, por exemplo. A deficiência nas fases de planejamento e estudo se manifestará no decorrer de todo o licenciamento e mesmo na operação e pós-licenciamento, acarretando esforços vãos por parte do proponente e inclusive dos órgãos públicos envolvidos ou, em último caso, em gravemente subestimada a área em que os impactos podem se revelar, catástrofes ambientais.

Mesmo sob o viés econômico, subestimar ou superestimar a área de influência do empreendimento sujeita o empreendedor a dispêndios financeiros inesperados, máculas à imagem do projeto e da empresa como um todo e ainda a falhas importantes de cronograma, notadamente caso constatada a necessidade de complementações de estudo – o que, no caso de um EIA/RIMA, por exemplo, pode implicar em idas em campo e performance de novas campanhas nas quatro estações do ano.

Por fim, vislumbra-se ainda como consequência que pode advir da imprecisa delimitação das áreas de influência, dada a fragilidade deste segmento nos estudos ambientais, é a possibilidade de o projeto ser alvo de questionamentos por meio de ações judiciais propostas pelo Ministério Público e demais entidades legitimadas para tanto. Isso, além de levar à cognição do Poder Judiciário uma matéria que poderia ser suficientemente tratada em âmbito administrativo, de modo a movimentar o aparato estatal de forma desnecessária e ineficiente, pode representar para o empreendedor, no pior dos cenários, o fim da viabilidade financeira de seu projeto. Isso pois dados os possíveis prejuízos advindos de decisões judiciais desfavoráveis, como a anulação de licenças ambientais, necessidade de reelaboração de estudos e consequentes – e talvez incontornáveis – atrasos no cronograma de implantação do empreendimento.

6.0 – CONCLUSÃO

A proteção ambiental e o crescimento econômico, como é sabido, devem caminhar juntos e em íntima cooperação, como expressão máxima do desenvolvimento sustentável, que visa garantir que as gerações presentes e vindouras possam desfrutar dos benefícios de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, indispensável para assegurar ao homem condições de vida e trabalho favoráveis.

Para tanto, necessário que o licenciamento ambiental cumpra seus objetivos, contando com avaliação de impacto ambiental adequada à magnitude do empreendimento proposto e efeitos na área em que pretende se instalar. Toda a avaliação de impactos se dá a partir do projeto e da devida delimitação das áreas de influência, pois, para se avaliar corretamente, deve-se delimitar corretamente.

Com o avanço dos estudos e modelagens, aprimorando-se o próprio entendimento da equipe técnica acerca dos contornos e impactos do empreendimento por si analisado, é natural – e desejado – que também a área de estudo e a área de influência passem por adequações. A avaliação de impactos e delimitação da área de influência são, como tudo na evolução humana, processos fluídos e em constante maturação. 

Agrilhoar um projeto, desde seu berço, a uma área de influência pré-definida, cingindo-se os estudos a determinado raio, é admitir a possibilidade da ocorrência de equívocos, com o sub ou super dimensionamento de impactos, maculando toda a apreciação técnica, cujo maior objetivo não é a implantação cega de um projeto, mas o atingimento do desenvolvimento sustentável apto a assegurar a continuidade da espécie no Planeta.

As áreas de influência (ADA, AID e AII) devem ser fixadas com base em critérios técnicos e a partir dos impactos e não dos riscos ambientais advindos pelo empreendimento a ser implantado. De igual forma, a definição quanto a participação dos intervenientes, o estabelecimento de medidas mitigadoras e compensatórias devem estar pautados nos impactos diretos e não nos indiretos. 

Pousando reiteradamente na falta de critérios objetivos para delimitação da extensão influenciada para averiguação dos impactos, as dificuldades no trato da matéria poderiam encontrar guarida na proposição por parte de órgãos ambientais de metodologias específicas para determinadas tipologias, com relevo para aquelas que despertam dos aplicadores as maiores dúvidas e discussões. Mais do que definições no âmbito de Termos de Referência, uma diretriz geral para atividades da mesma categoria. Certamente, não se pode esperar de metodologia una a façanha de atender a todas as particularidades que envolvem, por exemplo, diferentes projetos de usinas hidrelétricas ou terminais portuários. Tratar-se-ia, entretanto, de um norte.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2014.

______. Avaliação de Impacto Ambiental (AIA). Revista Síntese Direito Ambiental, São Paulo, v. 3, n. 15, set./out. 2013, p. 78-88.

ARAÚJO, Luiz Alberto David. Direito constitucional e meio ambiente. Revista do Advogado da AASP, São Paulo, 1992, v. 37.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco; RODRIGUES, Marcelo Abelha. Direito Ambiental e Patrimônio Genético. Belo Horizonte: Del Rey, 1996.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2014.

MOTTA, Ronaldo Seroa da. Desafios ambientais da economia brasileira. Rio de Janeiro: IPEA, 1997.

PEREIRA, Reginaldo; WINCKLER, Silvana Terezinha. Instrumentos de Tutela Administrativa do Meio Ambiente. Revista de Direito Ambiental: RDA, v. 13, n. 51, p. 193-231, jul./set. 2008.

RODRIGUES, Marcelo Abelha. Direito ambiental esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2013.

SÁNCHEZ, Luis Enrique. Avaliação de Impacto Ambiental: conceitos e métodos. São Paulo: Oficina de Textos, 2008.

______. Os papéis da avaliação de impacto ambiental. Revista de direito ambiental, São Paulo, jul. 1996, p. 138-157.

SCHRIJVER, Nico. Development Without Destruction: The UN and Global Resource Management. Bloomington: Indiana University Press, 2010.

THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental. 3. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2013.

Este artigo foi publicado no livro O Setor Elétrico e o Meio Ambiente, o lançamento do livro foi realizado durante o Seminário O futuro da relação Meio Ambiente e o Setor Elétrico, em 2017

Facebook Comments

Newsletter

Cadastre-se para receber nossa newsletter e fique a par das principais novidades sobre a legislação ambiental aplicada aos diversos setores da economia.

× Como posso te ajudar?