Marcello Brito, da Abag: maior parte dos produtos rurais desconhece o tema do mercado de crédito de carbono
A criação de um mercado de carbono global que permita a participação de empresas garantindo reduções na emissão de gases estufa é o grande desafio das negociações climáticas internacionais em 2019. Contudo, não há consenso nas regras de criação do mecanismo que deve estimular a transação dos créditos de carbono.
Não é tarefa trivial. São muitas as dúvidas ao redor da regulamentação do artigo 6 do Acordo de Paris. É o ponto que emperrou a negociação das regras do acordo em dezembro, durante a conferência do clima da Polônia. Ficou como herança para a rodada deste ano, que será no Chile. O Brasil, ainda sob Michel Temer, levou a fama de ter travado o “Livro de Regras” do Acordo de Paris.
“Engana-se quem acredita que esse é um embate legal”, disse a advogada Amy Merrill Steen, do secretariado da Convenção do Clima da ONU ontem, em Salvador. “É um embate político.”
O Acordo de Paris prevê que a transação de créditos de carbono pode acontecer entre países que conseguiram reduzir suas emissões (os vendedores) com mais facilidade e a custos menores que outros (os compradores). Os que vendem ganhariam créditos, e os que compram abateriam a redução de suas metas climáticas conhecidas pela sigla NDC.
O maior problema está na regulamentação do item 6.4, o único em que a participação do setor privado é explícita no acordo. Há interesses em jogo e visões diferentes. Trata-se de definir as regras do Mecanismo de Desenvolvimento Sustentável (MDS), que contemplaria as transações de empresas e governos locais.
Para beneficiar o combate à mudança do clima, a regra deveria estimular esforços adicionais aos que já estão nas metas voluntárias dos países. O Brasil tem meta de cortar as emissões em 37% em 2025, em toda a economia. Como definir o que seria adicional neste quadro?
Esse é um dos problemas. A fórmula imaginada pelo governo brasileiro é interpretada pelos europeus como um sistema que permite dupla contagem de emissões, o que seria desastroso para o clima. Eles querem que exista maior ambição na meta dos países. Os negociadores brasileiros discordam, dizem que essa é uma negociação entre empresas e que o país não pode ser penalizado tendo que fazer mais esforços.
O tema é importante e complexo. Marcello Britto, presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), lembra que existem mais de 5 milhões de propriedades rurais e que 85% delas têm, no máximo, 50 hectares. “Mais de 90% desse público desconhece esse assunto e desconhece que o mundo evoluiu.”
“Isso traz um risco. O setor [do agronegócio] é politicamente muito forte”, afirma. “Caso se sinta inseguro, poderá fazer pressão negativa sobre o governo”, continua o dirigente, dizendo que é preciso esclarecer o segmento.
O artigo 6 tem que ser negociado com três pilares, defendeu Roberto Castelo Branco Coelho de Souza, secretário de Relações Internacionais do Ministério do Meio Ambiente. “Credibilidade, segurança judicial e responsabilidade”, disse no encontro promovido pelo Cebds, o conselho empresarial que reúne mais de 60 grandes conglomerados no Brasil.
No “lastro de credibilidade”, ele cobra a promessa dos países ricos de colocar US$ 100 bilhões ao ano para que os outros tenham tecnologia e preparem a infraestrutura para a nova economia.
“Somos todos a favor de mecanismos de mercado. Mas não pode ser às custas do sacrifício e do dia a dia das pessoas”, seguiu. “Qual o impacto que isso terá na economia do planeta?” E seguiu: “Queremos que o brasileiro viva à luz de velas? Que o setor de energia pare de funcionar? Que os carros não andem mais?”.
“Concordo com esses três pontos e assino em baixo”, diz Ana Toni, diretora-executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS). “Mas a posição do governo é contraditória. Como fala em credibilidade se deixa o desmatamento correr solto? Em responsabilidade se permite a invasão de terras indígenas?”, questionou.
“O Brasil tem grande oportunidade de participar do mercado, vendendo créditos para capturar investimentos estrangeiros e financiar a economia de baixo carbono”, diz Fábio Cirilo, coordenador de sustentabilidade na Votorantim Cimentos.
Ele chama a atenção para a sintonia fina que tem que ser atingida entre oferta e demanda. “Esses créditos precisam ter um valor reconhecido. Temos que garantir tanto a oferta, com um mecanismo simples o suficiente para as empresas colocarem à venda suas reduções de emissões, quanto a demanda, para garantir que os créditos tenham validade nos mercados compradores. Este é o ponto em discussão”, continua. “O governo precisa garantir na negociação que a demanda exista. Ou geraremos um monte de créditos e não terá quem compre.”
A jornalista viajou a convite do Instituto Clima e Sociedade (iCS)
Fonte: Valor Econômico
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