O cenário atual da aplicação do marco temporal na demarcação de terras indígenas

A questão do marco temporal para a demarcação de terras indígenas no Brasil tem gerado intenso debate jurídico e político. O conceito vincula a ocupação tradicional das terras à data da promulgação da Constituição Federal de 1988 e tem implicações significativas para a proteção ambiental e os direitos dos povos indígenas. Defensores do marco temporal argumentam que os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem sob sua posse em 5 de outubro de 1988, conforme o artigo 231 da Constituição, que reconhece os direitos originários dos povos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam. No entanto, essa tese é contestada por organizações indígenas e ambientalistas, que apontam que muitos povos foram expulsos de suas terras antes dessa data devido a conflitos e pressões externas.

Na origem, em 2009, a Fundação do Meio Ambiente de Santa Catarina(FATMA), atual Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA), órgão ambiental estadual, entrou com uma Ação de Reintegração de Posse contra a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), alegando ser a legítima possuidora de uma área em Itaió, comprovada por escritura pública. Na ação, a FATMA afirma que a área foi invadida por cerca de 100 indígenas que derrubaram mata nativa e usaram o local como base para invasões nas matas plantadas. Apesar de esforços amigáveis e ação policial em 2006 para desocupar a área, os indígenas não foram retirados pacificamente, levando o órgão entrar com a ação. O juiz decidiu a favor da autora, afirmando que não havia evidências de ocupação tradicional indígena conforme a Constituição.

O caso avançou ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde foi reconhecida a complexidade devido a uma portaria ministerial sobre a demarcação da reserva indígena e a legitimidade da União em disputas semelhantes. No Recurso Extraordinário (RE) 1017365, tema 1031, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou a tese do marco temporal, estabelecendo que a ocupação tradicional indígena deve ser reconhecida independentemente de uma data específica. O acórdão, que contou com nove votos contrários ao marco temporal e dois favoráveis, fortaleceu a proteção dos direitos territoriais indígenas com base na ocupação ancestral, conforme o artigo 231 da Constituição Federal. A decisão também estabeleceu a obrigatoriedade de indenização para não indígenas que ocupem as terras de boa-fé e que necessitem ser retirados.

A decisão do STF foi seguida pela promulgação da Lei 14.701/2023, que regulamenta a questão das terras indígenas, ignorando a tese do marco temporal. Após vetos presidenciais e subsequente rejeição de muitos desses vetos pelo Congresso, a lei enfrenta desafios de constitucionalidade.

Nesse âmbito, as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 7582, 7583 e 7586, assim como a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 86, foram movidas por partidos políticos e entidades indígenas, argumentando que a lei viola diversos artigos da Constituição e tratados internacionais de direitos humanos. Em resposta, o ministro Gilmar Mendes suspendeu todas as ações judiciais relativas à Lei 14.701/2023 e iniciou um processo de mediação para buscar uma solução conciliatória.

Diante das  decisões judiciais e da legislação recente, aumenta-se a necessidade da realização de diligências antes de investir em terrenos, considerando potenciais litígios e conflitos. Além disso, a suspensão das ações judiciais relacionadas à Lei 14.701/2023 e o processo de mediação conduzido pelo ministro Gilmar Mendes indicam um ambiente de incerteza e possíveis mudanças legais, o que exige um acompanhamento contínuo e estratégias jurídicas adaptáveis.

Publicado dia: 10/06/2024

Por: João Paulo Frauches

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