As Áreas de Preservação Permanente (APPs) são espaços protegidos pela legislação ambiental, sobretudo pelo Código Florestal (Lei n. 12.651/2012), cujo regime prevê que a intervenção ou a supressão de vegetação nativa em APP somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, interesse social ou de baixo impacto ambiental (art. 8º, caput).
Todas essas hipóteses estão elencadas no próprio Código Florestal. No que se refere à utilidade pública, são cinco as possibilidades, conforme o art. 3º, VIII. A alínea b lista uma série de obras de infraestrutura – como transporte, saneamento e energia – que são dotadas de utilidade pública.
Em fevereiro de 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 4901, 4902, 4903 e 4937 e da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 42. O acórdão foi publicado quase um ano e meio depois, em 13 de agosto de 2019. Atualmente, encontram-se em julgamento embargos de declaração que foram apresentados pelo Partido Progressista (PP) e pelo Advogado Geral da União (AGU) ao STF com o objetivo de reparar vícios da decisão.
Dentre os vícios apontados, destacam-se a contradição e a obscuridade na declaração de inconstitucionalidade da expressão gestão de resíduos antes presente no artigo 3º, VIII, b, da Lei n. 12.651/2012. Tal hipótese conferia a possibilidade de suprimir vegetação nativa em APP a fim de implantar empreendimentos dessa finalidade, os quais incluem os aterros sanitários.
A contradição está relacionada com o fato de que a expressão saneamento foi mantida no dispositivo, sendo que as atividades de gestão de resíduos sólidos estão abrangidas na definição de saneamento básico (art. 3º, I, c da Lei n. 11.445/2007). A obscuridade, por sua vez, guarda relação com a necessidade de esclarecer o alcance da expressão, de modo que apenas os lixões (e não aterros sanitários e demais atividades de gestão de resíduos que compõem o saneamento básico) sejam atingidos pela inconstitucionalidade.
O Ministro Luiz Fux, relator do julgamento, negou provimento aos embargos neste ponto, justificando que a proibição de aterros deve ser mantida tendo em vista a existência de riscos ambientais incidentes sobre a gestão de resíduos. Assim, de acordo com o voto, os aterros em funcionamento regular em APPs poderão permanecer funcionando por mais 36 meses, a contar do julgamento dos embargos, vedadas novas ampliações.
As Ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia e o Ministro Edson Fachin acompanharam o relator. O Min. Fachin, porém, apresentou ressalvas quanto ao marco inicial do prazo de 36 meses, para que seja contado a partir da data de publicação da ata de julgamento dos embargos de declaração.
Divergiram do relator, os ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, que foi acompanhado pelo Ministro Barroso.
De acordo com o voto do ministro Gilmar Mendes, deve-se adotar o entendimento de que a gestão de resíduos qualificada como utilidade pública abrange as modalidades previstas na Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010). Se não for esse o entendimento, que a decisão declaratória de inconstitucionalidade passe a valer a partir da publicação da ata de julgamento dos embargos de declaração, mantendo-se “as atuais licenças e futuras prorrogações concedidas nos termos da legislação anterior, ressalvada a possibilidade de revogação da licença (prévia, de instalação ou de operação), a qualquer momento pelo órgão ambiental competente, em caso de descumprimento da respectiva legislação, em especial da Lei 12.305/2010”.
Já os ministros Alexandre de Moraes e Barroso votaram para que seja dada eficácia prospectiva à declaração de inconstitucionalidade da expressão gestão de resíduos a fim de conceder o prazo de dez anos, contados da publicação da ata do julgamento dos embargos, para a progressiva desativação dos aterros sanitários atualmente instalados em APPs.
Ainda faltam quatro votos para a conclusão do julgamento. Mesmo que não haja uma conclusão definitiva, a tendência é que os aterros sanitários não poderão mais ser instalados em APP, restando decidir por quanto tempo aqueles que se encontram regularmente implantados nessas áreas ainda poderão continuar funcionando.
Publicado dia: 18/03/2024
Por: Manuela Hermenegildo
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