A coisa julgada é o instituto que visa garantir a segurança jurídica e a estabilidade das decisões judiciais, evitando que sejam desconstituídas indevidamente. A partir do trânsito em julgado de uma decisão, quer dizer, quando não mais cabíveis recursos, o conteúdo definitivo nela atrelado deve prevalecer sobre qualquer situação hipotética que envolva a mesma discussão.
A matriz jurídica da coisa julgada está no artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal, dispondo que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada“. Seu longínquo nascimento, todavia, remonta ao momento em que a sociedade passou a se organizar sob a luz do estado democrático de direito, baseado na separação entre as esferas executiva, legislativa e judicial.
A coisa julgada é inerente à atividade judicial porque serve para preservar a autoridade das decisões proferidas por esse poder, cuja função institucional é dizer o significado do direito e como ele se aplica. Se a decisão judicial não tem autoridade, não há estado de direito.
Na vida prática é o Código de Processo Civil que disciplina os requisitos, limites e efeitos da coisa julgada. De acordo com o artigo 502, “denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso”. Já o artigo 503 define que “a decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida”.
Não se está dizendo que a decisão judicial é sempre imutável. A evolução do direito aliada à prática forense estabeleceu exceções à essa regra, permitindo, por meio de processo adequado, a revisão da coisa julgada em determinadas circunstâncias. Nenhuma delas, importante enfatizar, envolve o exame de temática específica, como é, por exemplo, o direito ambiental.
Por esse motivo é que existe muita ressalva acerca da Súmula 613, do Superior Tribunal de Justiça, estabelecendo que “não se admite a aplicação da teoria do fato consumado em tema de Direito Ambiental”.
Certo é que a Súmula visa impedir que situações ilegais ou irregulares se perpetuem no tempo em prejuízo do meio ambiente. Mas há uma aparente contradição entre a coisa julgada e a referida súmula que pode induzir à falsa ideia de que é possível a revisão de todas as decisões transitadas em julgado envolvendo a temática ambiental.
A ideia é equivocada porque os conceitos não se contradizem. Na verdade, se complementam. No curso de uma ação, não se pode aduzir que o dano ambiental já estava praticado como forma de mantê-lo. Essa é a síntese da referida Súmula. Mas e quando um projeto é embargado judicialmente, por potencial dano ambiental e, ao final da ação, se concluiu que não haverá dano? A coisa julgada estará eternamente fadada à revisão ou se estabilizará, permitindo a continuidade do projeto?
Na vigência das mesmas regras que nortearam o julgamento, a estabilização parece ser o caminho mais correto. Mesmo em matéria ambiental, a coisa julgada deve prevalecer em nome da segurança jurídica. Sem ela não há confiabilidade nas decisões administrativas e legislativas. Se no curso da ação se comprovou que não há dano ambiental no projeto, então é esse entendimento que deve ser aplicado para garantir sua continuidade, obstando novas incursões contrárias sobre o mesmo fato já decidido.
Publicado dia: 14/08/2023.
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