No dia 27 de julho de 2023, foi realizada, em uma iniciativa do Conselho Nacional de Justiça, a Audiência Pública, com o objetivo de receber sugestões que auxiliem na padronização de referências técnicas para considerar provas produzidas por sensoriamento remoto ou obtidas por satélite em ações judiciais ambientais, além da elaboração de parâmetros para quantificar o impacto do dano ambiental na mudança climática global, seguindo a Política Nacional do Poder Judiciário do Meio Ambiente (Resolução CNJ n. 433/2021).
De início cumpre ressaltar que a iniciativa do CNJ revela-se extremamente oportuna, uma vez que o Brasil ainda carece de critérios legais objetivos para a valoração econômica do meio ambiente. Tal lacuna enseja reflexões sobre o método empregado na avaliação dos danos ambientais, suscitando a possibilidade de subjetividade e, por conseguinte, discrepâncias nas decisões proferidas em diferentes processos judiciais.
Ao longo das quase oito horas de audiência no Auditório do CNJ, os palestrantes se manifestaram sobre o uso de geoprocessamento e métricas para a quantificação do dano ambiental. Aqui, concentrarei minhas considerações nos aspectos abordados acerca da quantificação dos danos ambientais.
Quanto a esse tema, nada de essencialmente novo sob o sol, mas ainda relevante: entre outras questões, falou-se sobre a complexidade da valoração, a necessidade de métodos simples, a especificidade do dano dito “climático”, a fragilidade no uso de preços de mercado (especialmente de carbono) e a importância de ações corretivas e não apenas compensatórias ambientais. No mais, os métodos citados foram os já bastante conhecidos da Economia Ambiental e da Economia Ecológica1, com destaque para as menções à abordagem de serviços ecossistêmicos.
Assim, destaco duas questões bastante relevantes afetas a esse tema, no contexto jurídico brasileiro, que devem ser observadas.
Primeiro, é importante considerar que a valoração econômica desempenha um papel de instrumento coadjuvante no processo decisório, uma vez que não detém o poder de determinar a escolha em si2. Seu escopo consiste em organizar informações de modo a instruir adequadamente os tomadores de decisão na ponderação dos trade-offs envolvidos. É importante ressaltar que o processo de decisão judicial é influenciado por diversos fatores, inclusive subjetivos. Nesse sentido, é crucial reconhecer que mesmo respostas embasadas em evidências científicas podem encontrar dificuldades em alcançar um consenso.
Segundo, a doutrina e a jurisprudência brasileiras sobre o tema têm sido marcadas pela falta de terminologia consistente, clareza semântica e robustez teórica3, sobretudo porque muitos conceitos relacionados ao assunto não estão explicitamente articulados na legislação pátria. Como decorrência, os operadores do Direito adotam, então, abordagens diversas em relação às demandas ambientais, que, por sua natureza complexa, exigem conhecimentos especializados para uma avaliação adequada. Assim, só poderemos nos debruçar sobre os métodos de valoração de dano ambiental quando os conceitos essenciais estiverem plenamente e amplamente consolidados.
Diante disso, é certo dizer que o CNJ, embora tenha apresentado uma iniciativa louvável até aqui, terá pela frente um grande desafio: aprimorar sua atuação no auxílio à uniformização das referências teóricas para o Judiciário, absorvendo o conhecimento científico, para garantir uma operacionalização do direito mais coerente e efetiva.
1 A Economia Ambiental considera a teoria do bem-estar social para identificar as preferências dos indivíduos em relação a um conjunto de serviços fornecidos pela natureza, já a Economia Ecológica se utiliza da modelagem econômico-ecológica para refletir os custos ambientais envolvidos (para melhor compreensão sobre a valoração econômica ambiental vide PEDRINI, Isabella Dabrowski. Valoração econômica de danos ambientais: uma proposta de diretrizes para o Ministério Público de Santa Catarina – MPSC. Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Ciências da Administração e Socioeconômicas, Programa de Pós-graduação em Administração, Florianópolis, 2018).
2 PEDRINI, Isabella Dabrowski; BIER, Clerilei Aparecida. Valoração econômica como fundamento para a responsabilização por danos ambientais: diretrizes para o Ministério Público. In: LIMA, Roberta Oliveira; RODRIGUES, Wagner de Oliveira. (Orgs.). Direito Ambiental: questões socioambientais em tempos urgentes. João Pessoa: Editora Porta, 2022, p. 110-134.
3 vide PEDRINI, Isabella Dabrowski. Responsabilização civil por danos ambientais: re(leitura) de governança corporativa a partir das decisões do Superior Tribunal de Justiça. Tese (Doutorado em Administração) – Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Ciências da Administração e Socioeconômicas, Programa de Pós-graduação em Administração, Florianópolis, 2022.
Publicado dia: 31/07/2023
Por: Isabella Dabrowski Pedrini
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