A ação civil pública foi criada pela Constituição Federal para a proteção dos interesses coletivos ou difusos da sociedade, em que se busca a responsabilização judicial daqueles que causem danos a bens e direitos que tenham valor artístico, estético, histórico, turístico, paisagístico, ambiental, econômico, urbanístico ou social.
Com rito próprio regido pela Lei Federal nº 7.347/85, a modalidade de ação diferencia-se das demais em razão da previsão contida no art. 16, prevendo que a sentença “fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator”.
De origem latina, o termo erga omnes significa “para/contra todos”, e se refere à validade e à eficácia de uma norma ou decisão judicial. Sua função é garantir a uniformidade de entendimento jurídico e normativo, a chamada “segurança jurídica”. No Estado Democrático cuja matriz ideológica é a igualdade, a mesma lei deve valer para todos.
Uma decisão do Supremo Tribunal Federal que declara uma lei inconstitucional, por exemplo, também possui efeito erga omnes porque a invalida para todos os indivíduos. Um adequado exemplo disso ocorreu em 2021, quando o STF declarou a inconstitucionalidade parcial do art. 16 acima citado1, entendendo que os efeitos da sentença, na ação civil pública, não podem ter limites territoriais. Quer dizer, em uma decisão com efeito erga omnes se decidiu que o mesmo efeito, nas ações civis públicas, não pode ser restringido.
O problema é que, não raramente, o efeito erga omnes é argumento dos julgadores para obstar o acesso à justiça por indivíduos que, sabendo que poderão ser afetados por determinada ação, pleiteiam o ingresso para que possam defender seus interesses participando de todas as etapas do processo, tal como a apresentação de contestação, interposição de recursos, produção de provas, etc.
O argumento utilizado pelos magistrados é que, se a sentença na ação civil pública valerá para todos por definição normativa, então ao autor é dispensado indicar os indivíduos que serão direta ou indiretamente afetados.
Ora, se a regra dispõe de antemão que a sentença será erga omnes, então é natural que os afetados por ela queiram defender seus interesses. Afinal, a Constituição também garante, por princípio, o contraditório e a ampla defesa, além de prever que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (art. 5º, LIV).
O efeito erga omnes da ação civil pública é sim constitucional, mas a possibilidade de defesa quando eminente a violação de um direito é o verdadeiro pilar do sistema democrático. Não há colisão de princípios quando o que se propõe é a mera imposição da autoridade judicial sem avaliar todas as circunstâncias possíveis, situação ditatorial que remete aos tempos mais sombrios da história.
Não se está dizendo que o juiz precisa acolher os argumentos dos interessados, ou que o autor da ação precisa indicar todos os possíveis afetados. Basta que não seja rejeitada a participação daqueles que se manifestem nesse sentido, garantindo que tragam seus fundamentos e, assim, contribuam para o enriquecimento da discussão e, acima disso, para a validade da decisão.
1 RE 1101937, Relator ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 08/04/2021 (TEMA 1075).
Publicado dia: 19/05/2023
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