Quando a prefeitura de Balneário Camboriú (SC) anunciou o projeto de alargamento da faixa de areia da Praia Central, principal orla da cidade, a notícia foi recebida com certa desconfiança. Balneário Camboriú, ou BC, como é apelidada, é um dos grandes cartões postais do setor imobiliário brasileiro, com seus arranha-céus e imóveis de elevado valor de mercado.
O sombreamento causado pelos prédios gerava um “anoitecer antecipado”, algo que, somado com a existência de uma pequena faixa de areia, vinha recebendo críticas dos frequentadores e banhistas. Devido a situação, a prefeitura decidiu pela expansão da praia em 55 metros para dentro do mar1.
A obra foi finalizada no começo de 2023, e, apesar de ser, provavelmente, o exemplo mais famoso de alargamento da faixa de areia, no mesmo estado existem outros casos semelhantes, como o da praia de Canasvieiras, iniciado em 2019, e de Ingleses e Jurerê, ainda não finalizados, todas elas praias do município de Florianópolis.
Como quase todas as atividades realizadas em áreas sensíveis, a expansão gera muitas dúvidas e preocupações, algumas delas relacionadas ao processo de licenciamento ambiental2. Dessa forma, neste artigo, responderemos qual o estudo ambiental adequado para embasar a emissão das licenças, além de identificar o órgão responsável por essa análise.
A Lei Complementar 140/2011, que regulamenta as competências ambientais, determina que as atividades realizadas, ao mesmo tempo, em terra e mar serão licenciadas pela União nos casos previstos atualmente no Decreto 8.437/20153. Apesar do Decreto tratar dos portos organizados e terminais portuários, a dragagem e o alargamento da faixa de areia não são mencionados, de forma que deverão ser licenciados pelos estados ou municípios4.
Em Santa Catarina, o Conselho Estadual do Meio Ambiente (CONSEMA), exercendo a competência a ele atribuída pelo Código Estadual do Meio Ambiente, aprovou resoluções criando duas listagens: uma primeira determinando quais atividades devem se submeter ao processo de licenciamento ambiental, e uma segunda apresentando as atividades consideradas de impacto local, e que podem ser licenciadas pelos municípios5.
A primeira listagem foi instituída pela Resolução CONSEMA 98/2017, que trouxe duas atividades sujeitas ao licenciamento ambiental que são relacionadas ao alargamento da faixa de areia, sendo elas a dragagem (código 33.20.00) e a alimentação artificial de praias (código 33.40.00). Tanto em Balneário Camboriú, como nas praias de Florianópolis, foi prevista a utilização de bombas, retirando areia do fundo do mar para realizar o alargamento, o que configura a atividade de dragagem6.
Em tais casos, o estudo necessário para embasar o licenciamento será correspondente ao impacto ambiental da atividade, classificado em pequeno, médio e grande porte, de acordo com o volume, em metros cúbicos, que será dragado, conforme tabela abaixo:
Caso sejam dragados menos de 20 mil metros cúbicos, o porte será considerado pequeno e o responsável deverá apresentar o estudo menos complexo, denominado de Relatório Ambiental Prévio (RAP). Nos casos em que a dragagem for de 500 mil metros cúbicos ou mais, o órgão ambiental deverá considerar a atividade como de porte grande e exigir o estudo mais complexo existente: o Estudo de Impacto Ambiental (EIA). Nas demais hipóteses será apresentado o Estudo Ambiental Simplificado (EAS), com complexidade maior do que a do RAP, mas com menos exigências técnicas em relação ao EIA.
Já em relação ao licenciamento municipal destas atividades, deve-se observar a sistemática instituída pela Resolução CONSEMA 117/2017. Esta norma prevê que os municípios são autorizados a licenciar atividades de impacto local mais ou menos complexas, a depender da estrutura e do quadro de servidores do seu órgão ambiental.
A listagem de atividades consideradas de impacto local, por sua vez, foi trazida pela Resolução Consema 99/2017. A dragagem somente é considerada de impacto local nos casos em que for de porte pequeno, estando listada apenas no nível I, que exige do órgão ambiental municipal um mínimo de 5 servidores, o maior número entre todos os três níveis.
Desse modo, para licenciar o alargamento da faixa de areia por meio de dragagem, o órgão municipal precisa estar no nível mais exigente, nível I, e, ainda, o volume dragado não pode superar 20 mil metros cúbicos. Caso contrário, o licenciamento será de competência estadual.
Ademais, para tratar do procedimento e escopo do licenciamento, o órgão ambiental de Santa Catarina, IMA, emitiu a Instrução Normativa 18/2019. A norma apresenta, em anexo, dois Termos de Referência (TRs), um para a elaboração do RAP e outro para a elaboração do EAS. Um Termo de Referência nada mais é do que uma padronização dos documentos, projetos e elementos necessários para o embasamento da análise.
Além dos Termos de Referência, a Instrução Normativa também determina que o licenciamento ambiental da dragagem deverá ocorrer dentro do procedimento trifásico, ou seja, mediante a emissão das Licenças Ambientais Prévia (LAP), de Instalação (LAI) e de Operação (LAO). Dessa forma, o alargamento da faixa de areia não ocorrerá por meio de procedimentos mais simples, como a emissão da Licença por Adesão e Compromisso – LAC ou mediante emissão de Autorização Ambiental – AuA.
Finalizando, e trazendo para os exemplos já mencionados, apenas Balneário Camboriú precisou, devido ao volume de dragagem, apresentar Estudo de Impacto Ambiental. Além disso, todos os 4 licenciamentos ocorreram no órgão ambiental estadual, uma vez que não se enquadram dentro do menor porte.
1 Informações disponíveis em: https://hardcore.com.br/alargamento-da-faixa-de-areia-de-balneario-camboriu-vira-assunto-na-internet/. Acesso 11/03/2023.
2 Informações disponíveis em: https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2019/10/09/pesquisadores-da-ufsc-dizem-que-alargamento-da-praia-de-canasvieiras-pode-induzir-a-mare-vermelha.ghtml. Acesso 11/03/2023.
3 Art. 7º São ações administrativas da União: Parágrafo único. O licenciamento dos empreendimentos cuja localização compreenda concomitantemente áreas das faixas terrestre e marítima da zona costeira será de atribuição da União exclusivamente nos casos previstos em tipologia estabelecida por ato do Poder Executivo, a partir de proposição da Comissão Tripartite Nacional, assegurada a participação de um membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade ou empreendimento.
4 Art. 3º Sem prejuízo das disposições contidas no art. 7 º, caput , inciso XIV, alíneas “a” a “g”, da Lei Complementar nº 140, de 2011 , serão licenciados pelo órgão ambiental federal competente os seguintes empreendimentos ou atividades: IV – portos organizados, exceto as instalações portuárias que movimentem carga em volume inferior a 450.000 TEU /ano ou a 15.000.000 ton/ano; V – terminais de uso privado e instalações portuárias que movimentem carga em volume superior a 450.000 TEU /ano ou a 15.000.000 ton/ano;
5 Art. 12 O CONSEMA tem por finalidade orientar as diretrizes da Política Estadual do Meio Ambiente, competindo-lhe: XIII – aprovar a listagem das atividades sujeitas ao licenciamento ambiental, bem como definir os estudos ambientais necessários; XVIII – definir tipologia para o licenciamento de atividades de impacto local conforme os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade.
6 O já mencionado Decreto 8.437/2015 apresenta, em seu artigo 2º, inciso XXIV, o conceito de dragagem, sendo ele a “obra ou serviço de engenharia que consiste na limpeza, desobstrução, remoção, derrocamento ou escavação de material do fundo de rios, lagos, mares, baías e canais;”
Postado dia: 13/03/2023
Por: Mateus Stallivieri
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