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20/09/2021Aos índios, a Constituição Federal de 1988, reconheceu o direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Essas terras são definidas como as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições (art. 231, § 1º). E, ainda aquelas que se destinam a sua posse permanente, cabendo aos índios o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes (art. 231, § 2º). Ou seja, aquelas terras essenciais para sua existência.
A demarcação de terras indígenas é de competência do poder executivo da União¹. Segundo o ex-Ministro Carlos Brito do Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do famoso caso Raposa Serra do Sol, somente a ela (União) compete instaurar, sequenciar e concluir formalmente o processo demarcatório das terras indígenas, tanto quanto efetivá-lo materialmente. O procedimento administrativo de demarcação foi regulamentado pelo Decreto Federal n. 1.775/1996.
Devido às diversas implicações de ordem econômica e social decorrentes dos direitos indígenas sobre suas terras, o próprio ato das disposições constitucionais transitórias estabeleceu um prazo de 5 (cinco) anos a partir da promulgação da Constituição, para que a União concluísse a demarcação dessas terras (art. 67 do ADCT). Ressalte-se que essa mesma previsão já existia no Estatuto do Índio (art. 65, Decreto Federal n. 6.001/1973). No entanto, como se sabe, esse processo encontra-se longe de terminar, vide as discussões pautadas no julgamento do marco temporal na demarcação das terras indígenas no Supremo Tribunal Federal².
No entendimento de alguns, o processo demarcatório em si, não possui natureza constitutiva, mas sim declaratória. Sua única função é delimitar espacialmente as referidas terras, possibilitando, assim, aos índios o exercício de suas prerrogativas constitucionais. Ao tempo que essa delimitação é positiva aos índios, também é aos empreendedores, posto que ao planejar o desenvolvimento e avaliar a viabilidade de projetos, a demarcação deixa claro a localização dessas terras. Assim, por vezes, em razão da complexibilidade das relações, torna-se possível evitá-las.
Como se sabe, o desenvolvimento de empreendimentos e atividades em terras indígenas demanda a participação da Fundação Nacional do Índio – FUNAI no processo de licenciamento ambiental desses projetos, como representante dos interesses dos povos indígenas afetados. Da mesma forma, faz-se necessária a consulta livre prévia e informada desses povos em razão da Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, internalizada por meio do Decreto Federal n. 10.088/2019.
O procedimento a ser observado pela FUNAI no processo de licenciamento ambiental cujos projetos preveem a existência de impactos socioambientais e culturais aos povos e terras indígenas encontra-se estabelecido por meio da Portaria Interministerial MMA/MJ/MC/MS n. 60/2015 e da Instrução Normativa FUNAI n. 2/2015. Não se tem ainda a nível federal uma regulamentação específica sobre a OIT 169. De outro norte, alguns estados da federação estabeleceram procedimentos específicos sobre a consulta, tais como o Estado do Paraná, através da Instrução Normativa IAT n. 7/2020, bem como o Maranhão, por meio da Portaria Sema n. 76/2019 .
A duração de um processo de licenciamento ambiental é considerado pelos empreendedores como um dos principais gargalos no desenvolvimento de projetos. A questão do “tempo” tende a piorar quando há o envolvimento de um órgão interveniente e comunidades envolvidas. No contexto do artigo, a mora do poder executivo relacionada a demarcação de terras indígenas também têm acarretado insegurança jurídica aos licenciamentos. Em alguns casos, em razão do judiciário fazer as vezes do executivo na demarcação, usurpando de sua competência (vide o caso da Bacia do Rio Tibagi³, em que toda bacia foi declarada como território indigena – assunto objeto de um próximo artigo).
Assim, torna-se fundamental ao empreendedor mapear todos os cenários e riscos possíveis, além de avaliar de forma antecipada todas as alternativas econômicas e socioambientais para o desenvolvimento de projetos. Dessa forma, a tomada de decisão restará baseada em um diagnóstico sólido, de riscos minimizados e compatível com o cronograma esperado.
1 Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens (CF, 1988).
2 RESCHE, Pedro Henrique. O marco temporal na demarcação das terras indígenas:entenda a polêmica no STF. Disponível em : https://www.saesadvogados.com.br/2021/08/30/o-marco-temporal-na-demarcacao-das-terras-indigenas-entenda-a-polemica-no-stf/. Acesso em 20.10.2023.
3 RE no 1.256.969/PR
Publicado em: 20/09/2021
Por: Gleyse Gulin