Data: 02/07/2016
Veículo: Conjur
Página: Opinião
Cidade: Rio de Janeiro/RJ
Retrocesso significa o ato de retroceder, andar para trás, recuar. Se em alguns casos é fácil verificar se algo ou alguém retrocedeu, em outras questões isso é extremamente subjetivo. O que para uns seria retrocesso, para outros seria avanço. A causa de existência do Poder Legislativo é justamente a de fazer leis. Mas não só isso, é também de adequá-las ao momento vivido pela sociedade.
Justamente por isso, no ano de 2012, após inúmeras discussões havidas nas Casas Legislativas e em quase cem audiências públicas, veio o chamado Novo Código Florestal. Assim chamado — novo —, pois o anterior era de 1965.
Ocorre que a Procuradoria-Geral da República e o Partido Socialismo e Liberdade (Psol) propuseram quatro ações diretas de inconstitucionalidade em face do chamado Novo Código Florestal (Lei 12.651/2012). Baseiam as suas ações no chamado princípio da proibição do retrocesso. Na visão dos autores, esse princípio teria sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988, e a sua aplicação simplesmente proibiria toda e qualquer alteração legislativa que traga retrocessos à proteção ao meio ambiente.
Tal princípio teve origem na Europa e visava defender conquistas sociais. Com o passar do tempo, começou-se a defender a sua aplicabilidade também para as questões relacionadas ao meio ambiente. A partir desse contexto é que doutrinadores brasileiros passaram a argumentar sua aplicação no Direito brasileiro.
A aplicação defendida por esses doutrinadores e pelas ADIs acima referidas, com todo respeito, acarretaria o completo engessamento do Poder Legislativo e a impossibilidade de evolução legislativa, bem como uma inusitada e paradoxal situação em que leis ordinárias consideradas “boas” pelos que as defendem passariam a ter um revestimento de imutabilidade previsto apenas em cláusulas pétreas previstas na Carta Magna.
Sob esse prisma, o Supremo Tribunal Federal já analisou a aplicabilidade do princípio da proibição do retrocesso, tendo outras matérias como pano de fundo. Trecho do voto do ministro Gilmar Mendes, no julgamento da ADI 4.543/DF, demonstra claramente essa preocupação:
Realmente temo que, com isso, nós passemos a ter como parâmetro de controle não apenas a Constituição, mas as leis que nós consideramos boas. Daqui a pouco, todas as leis que nós considerarmos boas passarão a integrar, de alguma forma, o conceito constitucional e, no futuro, elas serão então, também, irrevogáveis por esse princípio.
Trazendo tal lição para o mundo ambiental, criar-se-iam inúmeras situações paradoxais, como já dito. Importante destacar que nossa Constituição defende tanto o meio ambiente quanto a livre iniciativa. Dessa forma, as normas que regram a utilização sustentável dos recursos naturais devem, constantemente, ser reavaliadas por quem possui atribuição e competência para tanto. Nada mais normal e saudável.
Assim, parece-nos que, no presente caso, adequações legislativas condizentes ao momento social que está se vivendo constituem evolução, e não retrocesso. Maior exemplo disso é a determinação contida no Estatuto das Cidades (Lei 10.257/2001) no sentido de que os planos diretores devem ser revistos, pelo menos, a cada dez anos, destacando ainda sua importância ao ordenamento da cidade.
Não à toa, na própria Europa, onde o princípio surgiu, os seus defensores já aceitam que a sua aplicação irrestrita pode se tornar insustentável. No Brasil, caso logrem sucesso os autores das ADIs, certamente serão ajuizadas inúmeras ações questionando outras alterações legislativas que versem sobre questões ambientais, engessando a evolução legislativa e criando uma total insegurança jurídica.
Vedar toda e qualquer alteração legislativa que, à primeira vista, indique disposição menos restritiva em matéria de direitos sociais ou meio ambiente significa obstar o desenvolvimento natural das sociedades, desfigurando o real intuito perquirido com a defesa do princípio da proibição do retrocesso e tornando-se assim, talvez, esse intuito um verdadeiro retrocesso social.
Ressalte-se que nem mesmo o Conselho Constitucional da França — país de origem da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão e um dos maiores garantidores dos direitos sociais, com altos níveis de desenvolvimento socioeconômico — declarou a inconstitucionalidade de qualquer diploma normativo fazendo referência específica ao princípio da proibição ao retrocesso na área ambiental.
Espera-se que a decisão sobre uma questão que refletirá no dia a dia de todos os brasileiros — pois afetará inúmeros os setores produtivos — e na forma como não só o meio ambiente natural, mas mais do que isso, o desenvolvimento sustentável, passará a ser analisado pela corte suprema, se dê com base na harmonia buscada pela Constituição Federal, e não em um princípio que nunca constou em nossa Carta Magna.
Por Marcos Saes
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