A conservação da biodiversidade e do patrimônio genético nela contido é tema de suma importância no Brasil, maior detentor de diversidade biológica do mundo, traduzindo-se a variedade de biomas existentes em seu território na significativa e incomparável riqueza de sua fauna e flora, a representar mais de 20% do número total de espécies conhecidas pelo homem. O país possui, igualmente, um expressivo número de comunidades tradicionais e populações indígenas, detentoras de imensos e riquíssimos conhecimentos tradicionais sobre os seus hábitats, que auxiliam no processo de pesquisa e desenvolvimento de novos produtos derivados da diversidade biológica.
Atualmente, a questão é disciplinada à Medida Provisória n. 2.186-16/2001, marco legal do acesso aos recursos da diversidade biológica e repartição de benefícios decorrentes da bioprospecção, que foi aprovado à margem das discussões que vinham ocorrendo no Congresso Nacional e em meio à controvérsia gerada pelo polêmico Acordo Bioamazônia – Novartis.
A tão esperada lei, diante da aprovação da medida provisória, até hoje não logrou se concretizar.
Nesse contexto, desponta o recente Projeto de Lei n. 7.735/2014, apresentado em 24/06/2014, que atualmente aguarda a apreciação por uma comissão especial e pelo Plenário da Câmara dos Deputados, tramitando em regime de urgência constitucional.
O projeto se propõe a estimular a geração de conhecimento e a simplificar o trabalho de pesquisadores e instituições brasileiras e de empresas com sede no exterior vinculadas a entidades nacionais, que precisarão apenas promover o registro das atividades em cadastro específico para ter acesso a estes recursos e remeter amostras para o exterior, em oposição ao atual modelo, a demandar autorização prévia do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN) para o início das pesquisas, processo sabidamente custoso e burocrático.
Já em relação às empresas sediadas no exterior não associadas a instituições nacionais, o acesso e a remessa de amostras ao exterior dependerão de autorização prévia do Ministério da Ciência e Tecnologia para as pesquisas e do CGEN para atividades de desenvolvimento tecnológico.
O projeto mantém a proteção aos conhecimentos tradicionais de povos indígenas e de comunidades tradicionais contra a utilização e exploração ilícita, possibilitando que a comprovação do consentimento prévio informado se dê através da assinatura de termo de consentimento prévio, registro audiovisual do consentimento, parecer do órgão oficial competente, adesão na forma prevista em protocolo comunitário ou ainda por meio de laudo antropológico independente.
Afirma ainda a proposta legislativa que os benefícios decorrentes do acesso aos recursos da biodiversidade e conhecimentos associados serão repartidos de forma justa e equitativa, estando sujeito à repartição de benefícios exclusivamente o fabricante do produto acabado, independentemente de quem tenha realizado o acesso anteriormente, instituindo-se ainda o Fundo Nacional para a Repartição de Benefícios (FNRB), vinculado ao Ministério do Meio Ambiente.
Em continuidade, a proposta normativa prevê que o pedido de autorização ou regularização de acesso e de remessa de patrimônio genético ou conhecimento tradicional associado formalizado nos termos da Medida Provisória e ainda em tramitação na data de entrada em vigor de lei deverá ser reformulado pelo usuário como pedido de cadastro ou de autorização de acesso ou remessa, conforme o caso, no prazo de um ano a partir da entrada em vigor do diploma.
O texto já recebeu mais de uma centena de emendas – grande parte delas buscando incluir regras sobre agricultura e produção de alimentos –, debatendo-se ainda sobre a necessidade de realização de audiências públicas com a participação da comunidade científica e de outros representantes da sociedade impactados pelo tema.
De todo modo, o projeto traz esperança ao país, devendo o Brasil, como o maior dos países megadiversos, aproveitar a oportunidade para aperfeiçoar seu sistema legal na matéria, rumo a se tornar um exemplo mundial de conservação e utilização sustentável da diversidade biológica.
Tendo sido um dos principais protagonistas à adoção do Protocolo de Nagoya sobre acesso e repartição de benefícios, cabe ao Brasil promover o trabalho conjunto entre governo e empresas, com vistas a um marco regulatório viável, com procedimentos que denotem a clareza e agilidade requeridas pelo mercado, voltados ao efetivo atingimento dos objetivos da Convenção sobre Diversidade Biológica e ao desenvolvimento sustentável das atividades de acesso às informações genéticas e conhecimentos associados às mesmas, plenamente compatível para com a sua preservação às presentes e futuras gerações.
Por Beatriz Campos Kowalski
Publicado em: 30/09/2014
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